quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Mensagem de uma mãe chinesa desconhecida.

Imagine-se fazendo uma visita a uma família pobre na região montanhosa da China, no momento em que uma mulher está em trabalho de parto. Pouco depois do choro da criança, você ouve vozes abafadas de adultos desapontados. E logo mais, vislumbra um bebezinho agonizando numa bacia de água suja, abandonado pela parteira. Essa é uma das dramáticas experiências descritas pela jornalista e escritora chinesa Xinram no comovente livro “Mensagem de uma Mãe Chinesa Desconhecida”, publicado pela Companhia das Letras. Trata-se de um apanhado de histórias verídicas recolhidas pela autora, conhecida por obras que revelam ao mundo peculiaridades da cultura de seu país.
Ela começou a coletar esses relatos em 1989, quando apresentava o programa de rádio “Palavras na brisa noturna” e uma ouvinte, que se autointitulava “Waiter, uma mãe em agonia”, escreveu contando sua história. Anos depois, já radicada em Londres, decidiu reunir em um livro testemunhos semelhantes, de mães que tiveram que abrir mão de suas menininhas. Juntamente com o depoimento de duas oficiais de adoção - Mary Verde e Mary Vermelha -, e uma velha parteira, as histórias traçam um retrato brutal da política do filho único na China.
Ao leitor, é bom que se alerte – são histórias impressionantes e assustadoras. Impossível lê-las,sem um sentimento de angústia e indignação por tantas vidas desperdiçadas.
Necessidade premente nos anos 80, para conter o aumento populacional, a política do filho único gerou resultados catastróficos. Numa cultura que acredita ser “dever sagrado” da mulher produzir um herdeiro homem, a imposição acabou abrindo uma ferida incapaz de ser fechada. Crianças abandonadas por seus pais em estações de metrôs e orfanatos, entregues à própria sorte. Ou ainda, sufocadas ao nascer, pelo simples fato de serem meninas.
“As mulheres chinesas, desde o inicio dos tempos jamais tiveram direito a suas próprias historias. Elas viviam na camada inferior da sociedade. Esperava-se delas obediência inconteste e elas não tinham meios de construir a própria vida. Isso se tornara tão natural que a maior parte das mulheres só desejava duas coisas: não dar a luz filhas mulheres nesta vida e não renascer como mulher na próxima.”
Sendo ela mesma uma órfã de pais vivos, pois cresceu em internatos e não se lembra de ter comemorado sequer um aniversário com eles, ocupados demais em servir a Revolução Cultural, a impressão que se tem é que esse livro serve também para a autora acalentar o próprio coração.
Em meio a casos que beiram a tragédia, perguntas sem resposta e feridas que não cicatrizam, talvez não importe tanto se essas mensagens alcançarão a menina certa ou se conseguirão aplacar a dor eterna dessas mães.
O importante mesmo é que a historia delas foi escrita.

Mensagem de uma mãe chinesa desconhecida.
Autora: Xinram
Tradutora: Caroline Chang
Editora: Companhia das Letras
Publicação: 2011
Páginas: 272