O maior sucesso da escritora britânica Daphne Du Maurier (1907-1989), o romance Rebecca é lembrado no Brasil por duas características. Por ter sido levado à telona pelo mestre do suspense, Alfred Hitchcock. E pela suspeita de plágio sobre a obra A Sucessora, da brasileira Carolina Nabuco (adaptada para a TV em 1977).
Independente das semelhanças (comprovadas), Rebecca é um livro instigante, com uma trama que prende o leitor e uma narrativa ágil, por vezes cinematográfica. Para alguns, a história beira o sobrenatural, por conta do suspense da trama. No entanto, sobressai o drama psicológico de uma jovem simples que, ao se casar com um viúvo muito rico, encontra dificuldade em adaptar-se à nova vida, à sombra da esposa falecida, Rebecca.
Chama atenção o fato de que a voz que narra a história é da própria jovem, que permanece sem nome durante todo o livro. Em forma de memórias, ela relata a viagem a Monte Carlo, França, como dama de companhia da esnobe Mrs Van Hopper, na qual conhece o melancólico viúvo Max de Winter, sobre quem paira uma aura de mistério.
Embora ele seja vinte anos mais velho e ela, humilde e inexperiente, nasce entre os dois uma amizade que evolui para um pedido de casamento. Mais adiante saberemos que a jovem é em tudo o oposto da falecida senhora de Winter.
Casados no exterior, antes mesmo de chegarem à lendária Menderley, propriedade da família, onde irão viver, a jovem percebe que o esposo não se sente bem em comentar sobre seu passado.
Embora o marido fizesse de tudo para que ela ficasse à vontade, nossa protagonista percebe que os criados, alguns amigos e a própria irmã de Max, Beatrice, que faz visitas ocasionais a Menderley, a consideram “muito diferente de Rebecca.”
Eu a conhecia agora, as pernas longas e bem feitas, os pequenos e delicados pés. Ombros mais largos que os meus, mãos inteligentes e débeis. Mãos que sabiam governar um barco, que podiam sofrear um cavalo. Mãos que arranjavam flores, construíam modelos de navios e escreviam "A Max, Rebecca", na página branca de um livro. (...) E se entre centenas de outras eu ouvisse sua voz, saberia reconhecê-la. Rebeca, sempre Rebecca! Eu nunca me livraria de Rebecca.
A sensação é mais forte por conta de Mrs. Danvers, governanta e criada pessoal de Rebecca, que nutre pela ex-patroa uma admiração obcecada, lembrando seus hábitos, sua beleza e elegância, e mantendo seu quarto exatamente do jeito em que estava por ocasião de sua morte.
Durante os passeios com o marido e o cão Jasper nas redondezas, a moça percebe movimentos estranhos do animal em relação a uma cabana próxima à praia. E nota que Max tudo faz para evitar o local. Decidida a compreender os mistérios de Rebecca, ela desenvolverá uma obsessão por tudo que se refere à falecida. E encontrará as respostas numa reviravolta impressionante.
Por conta desse romance, Du Maurier conquistou uma legião de admiradores e o filme de Hitchcock ajudou a fixar na memória do público a imagem de Rebecca, “a mulher inesquecível.”
Pesquisando sobre o assunto, sabe-se que Daphne du Maurier escreveu Rebecca quatro anos após Carolina Nabuco publicar A Sucessora (1934). De fato, a brasileira havia enviado uma tradução de sua obra em inglês para uma agência literária de Nova Iorque, nunca tendo recebido resposta. Três anos depois, du Maurier lança seu romance com temática excepcionalmente semelhante. No entanto, apesar da suspeita de plágio, nossa escritora brasileira nunca se animou a mover um processo contra a britânica. Em suas memórias, Oito Décadas, Nabuco cita uma passagem em que foi procurada pelo advogado de uma produtora inglesa, por ocasião das filmagens do filme de Hitchcock.
Quando o filme Rebecca chegou ao Brasil, o advogado de seus produtores (United Artists), Dr. Alberto Torres Filho, procurou meu advogado, Bartolomeu Anacleto, para pedir-lhe que eu me prestasse a assinar um documento admitindo a possibilidade de ter havido mera coincidência. Se me prestasse a isso, eu seria compensada com uma quantia que o Dr. Torres qualificou como “de ordem patrimonial”. Não anuí, naturalmente.
Apesar do impasse, não se nega a qualidade do texto da autora, uma das mais queridas escritoras do Reino Unido. O que torna as histórias especiais é a forma de contá-las, algo que Daphne du Maurier sabia fazer muito bem.
Rebeca
Daphne du Maurier
Abril Cultural
396 páginas