domingo, 8 de novembro de 2009

A Redoma de Vidro: no mundo de Sylvia Plath.


Conheci a literatura de Sylvia Plath a partir do romance A redoma de vidro. Foi a única incursão de Plath no gênero romance, visto que sua grande habilidade – pela qual se tornou conhecida e reconhecida – foi a poesia. Poderia ter sido diferente caso ela não tivesse buscado a morte aos 30 anos em 27 de fevereiro de 1963.
Romance escrito em tom confessional, cuja personagem tem história muito parecida com a vivida pela própria Sylvia em sua juventude, considero A redoma de vidro quase uma autobiografia.
Escrito em 1961, dois anos antes de seu suicídio, traz como personagem central a jovem Esther Greenwood, aluna brilhante de uma universidade do interior, que parte para um estágio numa revista feminina de Nova York. Apesar de talentosa, Esther tem dificuldade em se inserir verdadeiramente no mundo de vaidades no qual acabou de entrar. "Deveria ficar tão animada quanto a maioria das garotas, mas não conseguia. Eu me sentia imóvel e oca como o olho de um furacão, se agitando estupidamente no meio daquele enorme tumulto."
Conforme conta os dilemas de Esther, Sylvia retrata suas próprias angústias, dúvidas e neuroses, o vazio causado pela morte do pai, a pressão exercida pela mãe, a relação de amor, dependência e rancor velado entre elas, seus primeiros envolvimentos amorosos. "Um olho verde brilhava na cama ao lado. Era dividido em quatro partes como uma bússola. Estiquei o braço devagar e perguei-o. Levantei-o. Junto com ele veio um braço, pesado, como de um morto, mas quente de sono. (...) Por um segundo debrucei-me sobre ele, estudando-o. Eu nunca tinha dormido ao lado de um homem."
Indecisa sobre seu futuro profissional, Esther volta para casa e, ao se sentir mais uma vez pressionada pela exigente mãe, tenta se matar. Pela sinopse dá pra perceber o quanto A redoma de vidro reflete a própria vida de Sylvia numa espécie de profecia desconcertante.
Romance de qualidade excepcional, torna-se impossível analisá-lo sem remeter à trágica morte da autora, que foi, não apenas exemplo de talento lterário, mas de obstinação. Fica evidente quando se lê as diversas biografias publicadas sobre ela (tive acesso a três delas), o quanto Sylvia aliava seu talento natural a uma profunda e férrea vontade de alcançar a perfeição. Quando conheceu o poeta inglês Ted Hughes, com quem viveu um casamento apaixonado e ao mesmo tempo tumultuado, que gerou dois filhos, Sylvia já tinha um enorme potencial. Na época mais conhecido que ela, a relação com Hughes ao mesmo tempo em que a estimulou a ser cada vez melhor, era uma ameaça ao seu talento. É como se vivesse um paradoxo entre amar o marido e ao mesmo tempo querer superá-lo. Ou ao menos, ser algo mais do que a esposa de Ted Hughes. Um sofrimento injusto. Sylvia era muito boa no que fazia. Os poemas de sua autoria, publicados a maioria após sua morte o comprovam. Mas uma possível personalidade bipolar encerrou sua vida – e sua obra - muito cedo.


Sylvia e Ted Hughes

sábado, 31 de outubro de 2009

Ou isto ou aquilo.



Hoje, dia chuvoso, aproveito pra viajar à minha infância. Como já mencionei anteriormente, o primeiro livro que ganhei na vida foi Ou isto ou aquilo, seleção de belíssimos poemas da igualmente belíssima Cecília Meirelles (1901 – 1964). Veio numa edição branquinha cheia de ilustrações, pelas mãos do meu querido avô e anjo Guilherme Santos Neves. Ele foi um homem cultíssimo, sensível, inteligente e carismático, advogado, professor de português, escritor, folclorista, ufa...e uma infinidade de outras coisas. Mas, sobretudo, um ídolo da minha vida. Ele não apenas me abriu as portas para o mundo da literatura como também me incentivava a escrever. Já naquela época, mandou publicar no jornal A Gazeta dois poemas que escrevi aos 8 anos, que tenho até hoje. E Cecília?
Bom, Cecília me fez entrar no mundo mágico das rimas, das cores que a poesia pode ter. Nesse livro, que é uma viagem através do país da infância, ela brinca com burrinhos azuis, meninas que querem ser bailarinas, fala de duas velhinhas, Marina e Mariana, inventa um jardim de cores, com borboletas de muitas cores, nos faz escolher entre isso ou aquilo e, num dos poemas mais lindos do livro, que recitei e recito até hoje, para meus filhos, fala de três meninas que viviam naquela janela. Uma que se chamava Arabela, outra que se chamou Carolina. E Maria, que apenas sorria dizendo: bom-dia. A simplicidade do poema marcou minha infância, como creio que marcou a de muita gente.
Em tempos de Harry Potter, Diário de uma Princesa e infinitas outras séries de livros, que bom seria se nós adultos lembrássemos de presentear nossos pequenos leitores com livros menos consumistas e mais singelos,como toda infância deveria ser.




Ou se tem chuva e não se tem sol,

Ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel;

Ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,

Quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa

Estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

sábado, 10 de outubro de 2009

O amor nos tempos do Gabo.

Difícil escolher qual livro comentar, depois do primeiríssimo Dom Casmurro. Mas esse lugar de honra vai para aquele que considero um dos melhores, se não o melhor escritor da atualidade: Gabriel Garcia Marquez, Prêmio Nobel de 1982. O livro, O amor nos tempos do cólera.

Falar de O amor nos tempos do cólera intimida, pois nada que se diga traduz a real experiência de lê-lo. Se fosse resumir numa frase, diria que é um romance para ser lido pausadamente, sorvendo cada palavra como quem saboreia uma taça de vinho. Não apenas a história é maravilhosa, emocionante, encantadora, quanto o estilo do Gabo é único. Nele, tudo se encaixa em tudo, nada sobra, nada falta e qualquer diálogo parece lapidado.
Nesse livro, que li duas vezes (e acho pouco), tudo acontece na medida certa: poesia, romance, narrativa, drama, fantasia, realismo, sempre com uma pitada do humor sarcástico característico do autor.
Segundo García Marquez, este é o seu melhor romance, superando Cem anos de solidão, que conquistou gerações de leitores. Ele teria dito ainda que foi escrito "com as entranhas”. E é assim que esse romance chega ao leitor: arrebatador.
Inspirado na história de amor vivida por seus pais, Gabriel e Luíza, tem como tema o romance de Florentino Ariza e Fermina Daza, que demora mais de meio século para se concretizar. Apaixonado pelas tranças de Fermina, o jovem Florentino passa a enviar-lhe cartas apaixonadas, mas o romance é frustrado pela oposição do pai da moça, que a envia para uma temporada no interior. Ao retornar, atendendo à vontade paterna, Fermina casa-se com o médico Juvenal Urbino, que chegara para combater a epidemia do cólera na cidade.
O casamento dura 50 anos, até a morte do doutor (um dos melhores capítulos do livro). O amor de Florentino, porém, persiste a vida inteira. Ele registra num caderno o nome de incontáveis mulheres, a quem se entrega de corpo, mas nunca de alma. Ao final do livro, Florentino e Fermina se reencontram para resolver a antiga história.
O que poderia ser apenas mais uma história de amor que sobrevive a obstáculos e ao tempo, nas mãos de Gabo se transforma numa obra mais saborosa a cada página. O belo de Fermina, Florentino e Urbino é que eles não são belos, são bastante comuns. Os homens, em especial, são até esquisitos, feios, sem atrativos, porém de alma encantadora, cada qual a seu modo. Florentino é sem sal, desajeitado e excêntrico. Urbino é um homem cheio de manias, teimoso, estranho, porém amoroso.
O amor de Fermina e Urbino é palpável, vivido dia a dia, com suas esquisitices, ranhetices e beleza. O amor de Fermina e Florentino fica no plano do imaginário, sustentado pela paciência e persistência (obsessão?) deste em esperar o momento de encontrar o caminho livre para o coração da amada. E é na concretização dessa paixão, que começou na juventude e sobrevive até a velhice, que somos presenteados com um retrato inigualável do que pode ser o amor entre seres de cabeça branca e alma juvenil.
O amor nos tempos do cólera é, na verdade, uma história sobre todos os amores de todos os tempos.

domingo, 13 de setembro de 2009

O silêncio de Capitu.


Na primeira vez em que li Dom Casmurro eu tinha uns 11 ou 12 anos. Quando o recebi como presente de uma tia, a capa com uma linda moça de cabelos negros e vestido de época, eu, que até então, só tinha lido livros infantis, não me deixei seduzir logo de cara. Passou um ano, comecei a lê-lo. Era ainda uma menina e me diverti com o amor inocente de Bentinho e Capitu. Marcou-me o trecho em que ela escreve no muro o nome dos dois - Bento e Capitolina - envolvidos por um coração. E o jeito desajeitado com que ele tentara fazer tranças em seu cabelo, em sua paixão de menino.
Cabe aqui falar para quem não leu, que Dom Casmurro retrata a história de amor entre Bento Santiago e Capitu, que começa na infância e se concretiza no casamento e nascimento do filho, Ezequiel. E que o tema central do livro será a dúvida que paira na mente obsessiva de Bentinho quanto à paternidade do menino.
Não me lembro se, na época, compreendi os ciúmes de Bentinho e o drama da separação, mas, certamente, encantei-me com o estilo peculiar do Machado.
Mais tarde, aos 15, 16 anos, o livro fez parte do cronograma da escola. Embora aquelas leituras obrigatórias deixassem os alunos enfastiados, eu até que gostava. E reler Dom Casmurro foi ainda mais prazeroso. Reforcei o encantamento pela escrita do Bruxo do Cosme Velho e a riqueza de detalhes com que ele descrevia seus personagens:

"Foi dos últimos que usaram presilhas no Rio de Janeiro, e talvez neste mundo. Trazia as calças curtas para que lhe ficassem bem esticadas."
"Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos".

Mais amadurecida, compreendi melhor a angústia de Bentinho, sem deixar de me indignar com sua acusação, aos meus olhos injusta, de ter sido traído por Capitu (acusação esta, sempre insinuada, jamais proferida).
Muitos anos depois, já adulta, retomei o romance. Estava tudo ali: os capítulos curtos, as palavras - mais do que escritas - esculpidas. As dezenas de frases que viraram citações clássicas, atemporais. A descrição de um Brasil que não existe mais, como se fosse o dia de ontem. O amor juvenil de Bento e Capitu ganhando cores ainda mais escuras: paixão inocente virando angústia, desconfiança, neurose, lágrimas. "Capitu traiu ou não traiu Bentinho?"
Cheguei a escrever um conto em que a personagem tinha "olhos de Capitu sem Escobar". Os tais olhos de ressaca. Talvez eu seja uma das poucas a defender a moça de Matacavalos. Para mim, Capitu não traiu Bentinho. Cheguei enumerar item por item minha "defesa de Capitu", pois nem ao menos esse direito, ela recebeu. Submeteu-se ao exílio e ao silêncio (dos inocentes?) e não mais retornou ao Brasil. O silêncio de Capitu, na verdade foi o silêncio de Machado. Jamais disse nem que sim, nem que não. Mas, segundo dizem, todas as dicas e respostas estão presentes no romance. Talvez a explicação para o sucesso de Dom Casmurro venha justamente do fato de o autor ter deixado um véu sobre a questão. Tivesse o romance sido lançado em tempos de Big Brother, teria sido assediado por jornalistas, microfone em punho, a questionar "Traiu ou não traiu?" até que o mistério fosse desvendado. Felizmente, mais de um século depois, a essência de Dom Casmurro permanece intocada.
Quando a Rede Globo colocou no ar a minissérie Capitu, senti-me incomodada. E se a obra de Machado fosse desvirtuada, banalizada, transformada em produto a ser consumido e descartado? Contudo, assisti a alguns capítulos. A história, contada em forma de ópera rock (remetendo a Maria Antonieta, de Sofia Coppola), traz uma Capitu exuberante, figurino maravilhoso e direção vibrante. As falas foram respeitadas, mas um não sei o quê de suntuosidade me incomodou. A Capitu do livro era esperta, vivaz, porém simples, quase feinha, com suas tranças e seu vestido de chita. Não essa sedutora glamorosa retratada na série. A casa de Dona Glória, no livro, modesta e austera, na trama televisiva tornou-se luxuosa e colorida. Um personagem esquisito, meio andrógino, faz as vezes de narrador. Seria o José Dias? Grandíssimo sacrilégio, diria ele. Gostar, não gostei. Mas não foi de todo mal. No entanto, prefiro reler, de tempos em tempos aquele que se tornou meu livro preferido. Que mudou para sempre minha forma de entender a literatura e me fez descobrir como certos escritores têm parte com os deuses. Machado de Assis, como prova sua obra, não era humano. Situava-se numa categoria acima. Esse brasileiro pobre, mulato, autodidata, criou um estilo que muitos seguem e nenhum consegue igualar. Mais que o Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis é hoje um dos maiores gênios da literatura mundial. Capitu teria concordado.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Primeira página.



Li em algum lugar essa frase: "Eu queria ler todos os livros do mundo". Acendeu uma luz em minha mente. Olha aí, um igual - pensei.
Sei que parece meio maluco, mas como Lennon diria, "I´m not the only one". Tenho certeza de que existem muitas espécimes por aí, traças de bibliotecas, sebos e livrarias. Aposto que você acabou de dar um sorrisinho agora. Afinal, você não chegou a esse blog por acaso.
Quero escrever aqui sobre minha grande paixão, a leitura, e vou tentar disponibilizar uma lista de todos, todos os livros que eu já li. Vocês vão notar mudanças de fases, de gosto, up grade, fase brega, auto-ajuda, que ninguém é de ferro e os grandes clássicos, que são os meus preferidos.
E podemos trocar idéias sobre eles. Como qualquer adicto da leitura, já li muito livro bom e muito livro lamentável. Mas juro que é difícil um livro me derrotar. Eu vou até o fim, mesmo que seja para dizer que detestei. Já gostei de obras que hoje me condenam, mas fazer o quê? Pra conhecer o paraíso, às vezes temos que passar pelo inferno. Dedico este blog a um pequeno grande homem que, ao me presentear com um exemplar de Ou isto ou aquilo - Cecília Meirelles, quando eu tinha apenas oito anos, me fez ver a luz: meu avô, Guilherme Santos Neves.

Vamos aos primeiros capítulos. E sejam bem-vindos à minha estante.