sexta-feira, 2 de abril de 2010

Dona Adélia


Quem melhor do que ela para falar de mulheres, de amores, de emoções femininas? Adélia é completa.

Dona doida(Adélia Prado)

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso,
com trovoada e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.

Texto extraído do livro "Poesia Reunida", Editora Siciliano - 1991, São Paulo.