Filho de um marceneiro e renegado pela família (seu pai achava que ele não servia para nada), Julien tinha inteligência acima da média e memória excepcional. Estudava Teologia (chegara a decorar a biblia em latim) e trocava qualquer trabalho braçal pela leitura de um clássico, para horror do seu pai que o desprezava ainda mais.
Jovem de extrema beleza e marcante palidez, tinha grande poder de sedução e sabia exercer suas qualidades para conseguir o que quisesse. Sabia que não tendo berço, só possuía dois caminhos para a ascensão social - a farda militar (o vermelho) ou a batina (o negro), por isso aproveita bem as chances que lhe chegam às mãos. Protegido do cura Chèlan, ele é convidado pelo Senhor de Rênal para ser preceptor de seus filhos, função que desempenha com competência, dividindo o tempo entre as aulas às crianças e um tórrido caso amoroso com a esposa do patrão. Enquanto vive com os Rênal, procura habituar-se aos costumes da corte, aprendendo o manejo social. Porém, mesmo ascendendo, Sorel continuava a ser "um pobre entre os ricos".
Nesse romance psicológico, que serve de pano de fundo para que Stendhal descreva e teça críticas à sociedade parisiense no período que sucede a Revolução Francesa, acompanhamos e nos envolvemos com os dramas e alegrias de um personagem no qual nenhum gesto ou palavra é gratuita. Ao envolver-se com a Senhora de Rênal, inicialmente vê no romance um desafio, uma batalha a vencer, porém, acaba se apaixonando verdadeiramente "Diz a si mesmo; ' Se à meia-noite, não conseguir coragem para segurar a mão dessa mulher que se acha ao meu lado, é claro que não passo de um covarde: subo ao meu quarto e estouro os miolos.'" Quando o romance é rompido, por causa de uma carta anônima, Julien parte para o seminário e mais tarde envolve-se com Mathilde de la Mole, uma jovem rica, que a princípio o rejeita, por ser de classe inferior, porém mais tarde, se deixa conquistar.
"Não, ou estou louco ou ela me faz a corte; quanto mais me mostro frio e respeitoso com ela, mais me procura. Isso poderia ser uma parcialidade, uma afetação;mas vejo seus olhos se animarem quando apareço de improviso. Saberão as mulheres de Paris fingir a tal ponto?" Mais uma vez Julien usara de sua inteligência para conquistar o amor de uma mulher. No entanto, a Senhora de Rênal ainda será crucial em seu destino.
É curioso perceber o quanto existe de humanidade na figura de Julien Sorel. Jovem, ambicioso, autêntico em seus desejos, extremamente sedutor, traiçoeiro em suas ações, porém honesto em suas verdades, ele é sarcástico, arrogante, mas também se deixa levar por paixões, vive o céu e o inferno ao longo das 489 páginas do romance.* Ao longo dos capítulos sofremos por Julien, torcemos por ele, amamos e odiamos sua figura ao mesmo tempo. Anti-herói por excelência, não é de todo mau, contudo seguramente nada tem de bondade.
O Vermelho e o Negro não é um livro fácil e superficial. É denso, forte, pesado em muitos pontos, porém, a cada capítulo, prende mais o leitor no emaranhado das relações de Julien Sorel que termina condenado pela mesma sociedade que tanto desprezou e cobiçou.
*Martin Claret, Coleção A Obra-Prima de Cada Autor.