quarta-feira, 25 de abril de 2012

Leila Diniz, Uma Revolução na Praia.


Para quem nasceu depois dos anos 70, o nome Leila Diniz remete a apenas algumas imagens, frases soltas, colagens de momentos. Uma foto grávida de biquíni, mostrando o barrigão, numa época em que as mulheres se escondiam. E uma célebre entrevista concedida ao Pasquim na qual, pontuada por palavrões, expunha sua visão sobre amor, sexo, homem e mulher, relacionamentos, liberdade e individualidade. O restante do que seria sua vida, lhe foi roubado numa queda de avião em 1972, aos 27 anos de idade. Já era mãe de Janaína, do seu casamento com Ruy Guerra e estava voltando de um Festival de Cinema na Austrália. 

No livro "Leila Diniz, uma Revolução na Praia", publicado em 2008 pela Companhia das Letras, o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos conta a história dessa dentucinha rebelde cuja personalidade solar desancou o machismo e desbancou o falso moralismo, dando um novo colorido aos comportados anos 60. Na obra, ele faz um mergulho na trajetória de Leila, desde a infância nada convencional até suas aparições no cinema e na televisão, após uma curta passagem pelo teatro. São histórias divertidas, descompromissadas e cheias de vida, como ela  é lembrada por todos que a conheceram.

Docemente desafiadora, Leila era, definitivamente, uma mulher fora dos padrões. Em plena ditadura militar, falava o que pensava e vivia do jeito que queria, escandalizando os mais moralistas. Nem poderia ser diferente, com a criação que recebeu. Seu pai, Newton Diniz, comunista de carteirinha, pregava o materialismo e enchia a estante do quarto dos filhos com a coleção de Romances do Povo, editada pelo partido.
A mãe biológica, Ernestina, nem chegou a criá-la. Ficou doente de tuberculose quando ela tinha apenas sete meses. Internada um sanatório, ao voltar, curada, o pai de Leila já morava com outra mulher, Isaura. Esta sim, a criou como filha - e ela só descobriu a verdade aos 10 anos de idade. Aluna mediana, que não se dava bem com regras e proibições, Leila era magrinha e nem de longe sugeria o furacão que abalaria o Brasil poucos anos depois. Antes de chegar ao 3° ano, começou a dar aulas para crianças como assistente. Professorinha revolucionária era a favor da educação com liberdade e instituía inovações como o dia da troca da merenda, numa tentativa de socializar a refeição. Mas quando os pais dos alunos impediram a matrícula de uma menina com Síndrome de Down, ela subiu nas tamancas e pediu demissão. Já havia conhecido Domingos de Oliveira, seu primeiro relacionamento sério. Se é que se podia falar em relacionamento sério com a rebelde Leila.

Ela ainda não tinha 18 anos quando bateu à porta de Domingos numa noite de Natal, com cabelos presos em maria-chiquinha. Ficara sabendo que ali haveria uma festa. Aos 25 anos, Domingos largara a faculdade de engenharia para trabalhar com cinema.  Diante da aparição de Leila, sugeriu que ela ajudasse a receber os convidados. Ela não só ficou, como se enturmou com todo mundo e às cinco da manhã, quando ele se ofereceu para levá-la em casa, respondeu, sonolenta: - Não, quero ficar. O relacionamento durou dois anos e meio e, no final, com o coraçao apertado, ele escreveu e dirigiu para ela “Todas as Mulheres do Mundo”. No filme, uma preciosidade em preto e branco, criticadíssimo na época, como sendo alienante, ela era ao mesmo tempo a atriz e o personagem.

Do cinema, ela parte para a TV, no auge da Era Magadan (Gloria Magadan, autora cubana cujas histórias eram repletas de duques, princesas e espadas ). Nas TVs Globo, Excelsior e Rio, Leila atou em diversas novelas, como Ilusões Perdidas (65), Eu compro esta mulher (66) e o Sheik de Agadir (67). Essa última se passava no deserto da Arábia e foi filmada na restinga da Marambaia. A coisa era tão fantasiosa que tinha até um sheik de olhos azuis, vivido pelo galã Henrique Martins. 

“Nada fazia nexo, mas novela boa devia ser assim, distanciada da realidade.” – garante Marieta Severo, que tornou-se a melhor amiga de Leila, que vivia na época um caso de amor com o sheik da história.  Como lembra a atriz Ana Maria Magalhães, era um casal "absolutamente improvável, um choque cultural". Com um detalhe: ele era casado e assim permaneceu durante os três anos que durou o romance.

Outras atrizes recordam o jeito descontraído de Leila: “Ela foi a primeira mulher a trabalhar sem sutiã” – revela Marília Pera. “Todo mundo comentava, mas ela não estava nem aí.” “Ela falava palavrão aos montes no estúdio e nenhuma atriz fazia isso na época” – lembra Irene Ravache. "Mas tudo passando longe de qualquer vulgaridade.”


A moderninha Leila, no entanto, foi barrada na primeira telenovela do país de argumento contemporâneo: Véu de Noiva, de Janete Clair. A justificativa da autora, confirmada por Daniel Filho, é de que o público misturaria a pesonagem com a vida pessoal da atriz, na época mais comentada que sua atuação.

Em menos de três décadas, Leila viveu intensamente os personagens que escolheu - no palco ou fora dele.  Sem se levar muito a sério, defendeu suas verdades. Mesmo inofensiva, foi tachada de  subversiva, por não ter medo de expressar suas opiniões.   Foi musa do amor livre e acabou  imortalizada por uma imagem que não podia ser mais feminina e maternal. Contada assim, em 265 páginas, sua história daria um filme. E deu. Foi filmado em 1987, com direção de Luiz Carlos Lacerda e  Louise Cardoso no papel principal. Mas a lembrança que fica mesmo de Leila é aquela do início desse texto, grávida, de barrigão, na praia, linda, livre e feliz.


Leila Diniz, Uma Revolução na Praia.
Joaquim Ferreira dos Santos
Coleção Perfis Brasileiros
Companhia das Letras

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O Casamento (Nelson Rodrigues)

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. 
Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino". 
(Nelson Rodrigues)

Tão criticado quanto incompreendido. Tão amado quanto odiado. Para uns, um pervertido, para outros um reacionário. Em se tratando de Nelson Rodrigues, impossível mesmo é ficar indiferente à sua obra, seu talento e sua personalidade. Tanto que, poucas décadas após sua morte e a caminho de seu centenário, a história tratou de colocá-lo em seu lugar de direito, como um dos maiores cronistas e dramaturgos brasileiros.
Com seu estilo trágico e passional, em sua segunda peça, Vestido de Noiva, encenada em 1942, praticamente reinventou o gênero, dando início ao moderno teatro brasileiro. Batizou, assim, as peças carregadas de tragédias burguesas, que desvendam a hipocrisia existente no seio da tradicional família brasileira: histórias rodrigueanas.
Fruto de uma vida marcada por dramas pessoais, o texto de Nelson é doído, rasgado, irônico, descarado. Escancara o que não se diz, penetra os pensamentos mais recônditos e coloca às claras o que a sociedade – daquele tempo e dos dias de hoje - insiste em esconder: a esposa adúltera, o pai pervertido, o padre hipócrita, a adolescente maliciosa. Colocando em cheque crenças e valores, põe na boca de seus personagens aquilo que ele, Nelson, tem vontade de bradar aos quatro cantos: "Não existe família sem adúltera". "Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém se cumprimentaria." "O ato sexual é uma mijada." "Só o cinismo redime o casamento." As famosas pérolas de Nelson Rodrigues.
Publicado em 1966, "O Casamento" foi o único romance do autor escrito para ser publicado diretamente em livro e não em crônicas de jornais. Bem ao estilo de Nelson Rodrigues, nada melhor do que uma instituição sagrada para servir de palco para uma história arrebatadora de desencontros, traumas, hipocrisia e tabus. Pouco tempo depois de lançado o livro seria censurado pelo Ministro da Justiça do Governo Castelo Branco, por ser considerado um "atentado" contra a "organização da família". A essa altura, porém, já alcançara grande sucesso entre os leitores.
Na história, os temas preferidos do autor- as mazelas do casamento, a homossexualidade no seio familiar, a traição, a perversão, desfilam um a um diante do leitor.
O personagem principal, Sabino Uchoa Maranhão, é um pai de família sério e respeitável, às voltas com o casamento da filha caçula, Glorinha. "Magro, de canelas finas, diáfanas, peito cavado, costelas de Cristo", Sabino é perseguido por lembranças do pai em seu leito de morte, "com o pijama dourado de fezes". "O pai queria que ele fosse um homem de bem e desde então a vontade do defunto o acompanhava por toda parte".
Homem recatado, não dizia certas palavras e "o ato amoroso era em silêncio". De rosto atormentado e olhar intenso, Sabino não consegue esconder a preferência pela filha mais nova. "Eu daria a minha última camisa à minha filha".
Acreditando ser um homem de virtude, mantém um casamento morno com Eudóxia, com quem se casara "porque era impotente com prostitutas". Sua aparente respeitabilidade nao impede que às vésperas das núpcias da filha convide sua secretária, dona Noêmia para um encontro furtivo. Na ocasião, não esconde o desprezo pela reação da funcionária: "A senhora não soube nem fingir uma resistência."
A trama central de "O Casamento" se passa nas 48 horas que antecedem o casamento de Glorinha e Teófilo. O médico da noiva, senhor Camarinha procura Sabino para revelar que flagara o rapaz no consultório beijando seu assistente. O dilema se instala em sua mente: contar o acontecido à filha é cancelar um casamento. Não contar é levá-la a um destino infeliz. "Um pai nao tem o direito de ignorar a pederastia de um genro."
Com dúvidas sobre o que fazer, tenta se aconselhar com o monsenhor Bernardo, velho amigo da família e que viu a menina crescer. Sem conseguir revelar o motivo da consulta, acaba se confessando com o padre sobre um episódio vivido na  infância.  É quando o religioso dá um conselho desconcertante: “Assuma sua lepra”.

A partir daí, uma série de acontecimentos vem à tona, envolvendo a futura noiva, sua amiga Maria Inês, o filho do Dr.Camarinha, Antonio Carlos, viciado em drogas, o assistente do médico, Zé Honório e seu pai moribundo, e finalmente uma contundente revelação de Sabino a sua filha.
Em "O Casamento", tudo se mistura. Sob a aparente vida familiar acima de qualquer suspeita, há perversão sexual, homossexualismo, adultério e incesto. Cada personagem, com seu drama e seus demônios particulares. Curiosamente, a figura menos presente de toda a trama é o noivo de Glorinha, com o suposto flagrante homossexual, pois por trás desse incidente desenrolam-se episódios muito mais marcantes, com segredos e perversões reveladas, suicídios e assassinatos.
Porém, como diz o Dr. Sabino, "o importante é o casamento".

O Casamento
Publicado em 1966, pela Editora Guanabara
Relançado em 1992, pela Companhia das Letras
259 páginas

O autor: Nelson Rodrigues foi o mais revolucionário personagem do teatro brasileiro. Com uma vida marcada por tragédias familiares e com saúde frágil, sempre provocou polêmicas com sua obra em crônicas e no teatro e por suas inigualáveis frases. Chamado, ao mesmo tempo, de imoral e moralista, reacionário e pornográfico, escandalizava o público e a crítica, encenando nos palcos a vida cotidiana do subúrbio do Rio de Janeiro. Começou como repórter policial e cronista, passando a escrever para o teatro nos anos 40. Considerado o fundador do moderno teatro brasileiro, escreveu 17 peças, tendo várias delas interditadas pela censura. Entre seus maiores sucessos estão Vestido de Noiva - 1942, Os Sete Gatinhos -1958, Boca de Ouro - 1960 e Toda Nudez será castigada -1965. É considerado com justiça o maior dramaturgo brasileiro. Nasceu no Recife,  PE, em 23 de agosto de 1912 e faleceu no Rio de Janeiro, em 21 de dezembro de 1980.