quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A Autobiografia de Alice B. Toklas (Gertrude Stein)


Duas mulheres, uma época, uma geração. Um legado artístico e intelectual inestimável. Ainda que não fosse considerada a diva do modernismo, deve-se à escritora norte-americana Gertrude Stein (1874-1946) o mérito de ter reunido em torno de si, na efervescente Paris do início do século XX, algumas das figuras mais brilhantes da história artística e literária mundial. Um grupo de jovens, até então desconhecidos e expatriados, que acabou por legar ao mundo gênios da arte, como Pablo Picasso, Henri Matisse, Juan Gris e da literatura, como Ernest Hemingway, Ezra Pound e F. Scott Fitzgerald. Mais tarde, ela se referiria aos escritores norte-americanos que conhecera e acolhera em Paris como a "geração perdida".
Vindos dos EUA e de alguns países da Europa e radicados na capital francesa, no período da 1a Guerra Mundial, esses jovens intelectuais buscavam novas formas de fazer arte e literatura. E descobriram, no célebre sobrado da Rue de Fleurus, 27, onde Gertrude Stein morava com sua companheira, Alice, um ambiente propício para debater suas aspirações.
Foi nesse endereço que esse jovens, ávidos por aprender, criar e inovar, passaram a se reunir nos famosos jantares de sábado à noite. E é em torno dessa época mágica que se passa  "A Autobiografia de Alice. B. Toklas". Publicado em 1933, trata-se de um jogo literário em que Gertrude Stein dá voz à sua companheira de décadas, a também norte-americana Alice ((1877-1967). Sob o pretexto de contar a vida de Toklas, Stein vê a oportunidade de a narrar a história de uma geração. E, é claro, falar de si mesma.

O resultado é um divertido panorama de um dos períodos mais ricos da produção cultural do século XX.
No movimentado sobrado, recoberto de quadros de Matisse, Picasso, Renoir e Cézanne, Gertrude e Alice recebiam todo tipo de gente interessada em cultura: pintores, escultores, músicos e escritores. O que começou como ponto de encontro de jovens talentosos em início de carreira, acabou se tornando o palco de um movimento espontâneo e de vanguarda que modificou o jeito de pensar e fazer cultura no mundo: o modernismo.

"Em qualquer vilarejo onde existisse um rapaz ambicioso, mal ouvia falar no número 27 da Rue de Fleurus e, desde então, não se pensava noutra coisa a não ser chegar lá."

Ao escrever "A Autobiografia de Alice B. Toklas", Gertrude queria, antes de tudo ser lida. Já havia escrito "The Making of Americans" e "Three Lives", dentre outras obras, algumas compostas de mais de 900 páginas, que muita gente de seu círculo nem chegou a ler. Na área da poesia, sua produção consistia em experimentos sonoros, que tinham por recurso a repetição. Ela sabia que seus escritos nem sempre eram compreendidos - publicá-los constituía uma missão-  e que sua figura era mais admirada que sua obra. Ao sugerir que Alice escrevesse uma autobiografia, imediatamente tomou para si a tarefa, deslumbrando ali uma forma original de contar sua própria vida.
Acertou em cheio. A obra foi a primeira produção de Gertrude Stein a se tornar um best-seller. Com uma linguagem peculiar e quase informal, a "Autobiografia" divide-se em sete capítulos, onde, sem muito respeito à ordem cronológica, Gertrude/Alice conta como foi a sua vida antes e depois de se radicar em Paris e como conheceu (e influenciou) nomes que, posteriormente, o mundo inteiro acabaria por admirar. Entre detalhes do cotidiano, como os afazeres domésticos ou passeios pela vila, desfilam pelas páginas, ao bel prazer da narradora, Pablo Picasso, com suas mulheres e seus quadros, Henri Matisse, Georges Braque, Juan Gris, Guillaume Apollinaire, a livreira Adrienne Monnier, Sylvia Beach ( fundadora da primeira versão da Livraria Shakespeare e Company); o jovem escritor Ernest Hemingway.
Pela voz de Alice, descobrimos que Rousseau era "um francesinho baixo e insosso, de cavanhaque"; que Guillaume Apollinaire tinha "traços bem-feitos e faces rosas"; Juan Gris " era uma pessoa atormentada e não muito simpática" e seus quadros eram "sombrios". Já Picasso era "baixinho, de movimentos ágeis, mas não irrequietos, os olhos possuindo a estranha facilidade de se arregalarem e absorverem o que queriam ver".

"Eu me lembro muito bem da impressão que tive de Hemingway, naquela primeira tarde. Era um rapaz extraordinariamente bonito, de vinte e três anos de idade. Faltava pouco tempo para todo mundo ter vinte e seis. (...) Pelo visto era a idade ideal para aquela época e lugar."

"Matisse e Picasso, apresentados um  a outro por G.S e o irmão, ficaram amigos, apesar de inimigos. Hoje não são nem uma coisa nem outra. Naquela época, eram ambos."

A autora não desperdiça a oportunidade de, pela voz de Alice, compor um retrato generoso de si mesma:
"Posso dizer que só três vezes na vida encontrei gênios [...] Gertrude Stein, Pablo Picasso e Alfred Whitehead"."
Em dado momento, revela-se ter sido Alice que extraiu de um poema de Stein a famosa frase com a qual ficaria eternamente conhecida -  "rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa" - para mandar gravá-la nos papeis de carta oficiais da escritora. Coube a Alice, também, o privilégio de ter Picasso pintado os motivos de seus quadros em almofadas para que ela pudesse bordá-los. Graças a um pedido de Gertrude, que se revela uma modelo muito requisitada pelos amigos escultores e pintores. Para Picasso, a quem chamava "Pablo", chegou a posar mais de 90 vezes para o famoso retrato (que ilustra a capa dessa edição) que, na época, ninguém achou parecido com Miss Stein. Resposta de Picasso: - Mas vai parecer.
Igualmente interessantes são os relatos das viagens que as duas faziam na Europa, para passar temporadas em casas de amigos e suas aventuras como voluntárias na Guerra, transportando suprimentos para soldados nos hospitais, num velho fordeca apelidado Titia (Auntie), em referência a uma tia de Gertrude que, embora adorável, vez ou outra a deixava na mão. Foram tão compenetradas nessa missão, que receberam a condecoração Reconnaissance Française, pelos serviços prestados.
Em alguns trechos do livro, a voz de Alice se faz sentir mais forte: "Eu tinha estado na Rue de Fleurus todas as noites de sábado e ficava lá bastante tempo. Ajudei Gertrude Stein com as provas de Three Lives e depois comecei a datilografar The Making of Americans."
"Eu sou muito boa dona de casa, muito boa jardineira, muito boa bordadeira, muito boa secretária, muito boa editora, muito boa veterinária para cachorros e tenho de fazer tudo isso ao mesmo tempo, acho difícil ser uma escritora muito boa"
Mas não se engane quem pensa ser esta a história de Alice. Trata-se da vida de Gertrude, com seu peculiar senso de humor e suas particularíssimas opiniões. E é ao redor dela que tudo acontece.

O casal Gertrude e Alice não poderia ser mais diferente, o que não impediu que vivessem juntas por 39 anos, até a morte da primeira. Enquanto Gertrude era rechonchuda e simpática, Alice  era baixinha, magra e sem graça. Gertrude acostumou-se a ser servida, Alice a servir. Cabia a Gertrude, criar. A Alice, cuidar de assuntos práticos, como contratos ou passaportes. Mulher simples, preferia ficar à sombra da companheira, cozinhando, bordando e revisando seus manuscritos, ao passo que Gertrude adorava ser o centro das atenções,especialmente. Enquanto Gertrude se ocupava dos amigos "gênios", como Picasso ou Hemingway,  Alice se limitava a conversar e dar atenção a suas esposas, exatamente como faria um tradicional casal da época.
 É interessante perceber tais diferenças, acompanhando as histórias, sob a ótica de Alice, tendo a sombra de Stein, o tempo todo, dirigindo o espetáculo. O que, muito provavelmente, era o que ela fazia na vida real.
Ainda que "A Autobiografia" seja uma brincadeira literária de Stein, acabou se tornando seu mais bem-sucedido livro e o mais digerível de todos. É compreensível. Mais do que a história de Alice (ou Gertrude), trata-se do registro (bem-humorado) do surgimento de uma verdadeira revolução cultural. Um documento que descortina e nos torna espectadores in loco de uma época inesquecível da nossa história.

A Autobiogafia de Alice B. Toklas
Tradução de Milton Persson
Coleção LPM Pocket
264 páginas


Gertrude Stein nasceu em 1874, em Alleghany, Pensilvânia e faleceu em 1946, em Paris. Radicada em Paris desde 1903,  para onde se mudou com seu irmão Leo,  pouco tempo depois conheceu Alice B. Toklas, também norte-americana que foi sua companheira até o fim da vida. Autêntica, original e nada modesta, buscava em seus romances e poemas formas alternativas de expressão. Acolhendo um grupo de jovens artistas e escritores da Europa e EUA, acabou sendo mentora do surgimento de uma nova forma de arte: o modernismo. Entre outras obras, escreveu: The Making of Americans, Three Lives e A Autobiografia de Todo Mundo.



terça-feira, 26 de junho de 2012

Uma Temporada no Inferno (Arthur Rimbaud)


Escrito pelo francês Arthur Rimbaud, "Uma Temporada no Inferno" (do original “Un Saison Enfer”) foi o único trabalho publicado pessoalmente pelo autor, em 1873. 
Tinha ele menos de 20 anos e, após uma breve e atribulada passagem pelo meio literário, decidiu abandonar a poesia para dedicar-se a fazer fortuna.
Posteriormente, alguns de seus trabalhos foram impressos e ele figurou ainda numa coletânea do poeta Paul Verlaine sobre os chamados "poetas malditos". Não sem razão. Rimbaud era considerado um prodígio, mas também um “enfant terrible” que vivia metido em confusões. Visionário e excêntrico, conquistou a fama de homossexual e arruaceiro. Recusava qualquer trabalho burocrático e defendia que o poeta deveria dedicar-se somente à poesia.
Rimbaud and brother.
Por ter entrado e saído precocemente do mundo literário, Rimbaud teve sua vida mais comentada que sua obra, como por exemplo o affair que teve com o poeta Paul Verlain. Este deixara a esposa para viajar com Rimbaud, escandalizando a sociedade francesa. Com um relacionamento regado a absinto e haxixe, durante uma discussão em 1872, o depressivo Verlaine fere Rimbaud com um tiro no pulso. Acaba preso e condenado - não pelo tiro, mas pelo suposto homossexualismo - que ambos negaram.  Em estado de desespero, Rimbaud parte para o nordeste da França, onde escreveu  "Uma Temporada no Inferno".
O resultado é  um longo poema (sem rimas e versos) dividido em 9 textos:  Uma Temporada no Inferno; Mau Sangue: Noite do Inferno; Delírios I - Virgem Louca, O esposo infernal; Delírios II - Alquimia do Verbo; O impossível; O clarão; Manhã e Adeus.
Carregado de angústia, lirismo, dor, realidade e fantasia, "Uma Temporada no Inferno" descreve a experiência de sofrimento ou confusão mental em que vivia  Rimbaud. Uma mistura de visões e pensamentos envolvendo a morte, o inferno, a paixão, o cristianismo, com passagens da história da França nos fins do século 19.  "Páginas feitas de meu diário de condenado",  como definiu o autor.
Aos leitores de primeira viagem, o texto de Rimbaud pode soar incompreensível. É preciso entrar em seu universo para compreendê-lo. Tentar sentir como ele, se permitir enxergar o que ele via, para enfim, perceber a qualidade literária de seus poemas. Lúcido ou genial, contestador ou profundamente cristão, a escrita de Rimbaud é sofrida e desesperada. Há registros de que ele tinha visões. Traços de loucura? Imaginação fértil? Efeitos do haxixe, do absinto? A pergunta fica no ar.
O certo é que com esse texto, Rimbaud criou uma linguagem nova, desconstruiu o verso alexandrino e elevou o poema em prosa à condição de grande poesia. Mudou assim, a história da literatura.

“Antigamente, se bem me lembro, minha vida era um festim no qual todos os corações exultavam, no qual corriam todos os vinhos. 
Uma noite, sentei a Beleza em meus joelhos. - E achei-a amarga."

“Detesto todos os ofícios. Chefes e operários, tudo campônios, ignóbeis. A mão na pena vale a mão no arado – Que séculos de mão! Não darei nunca a minha.”

“Não creio no inferno, pois estou nele. É a execução do catecismo. Sou escravo do meu batismo. Pais, fizeram a minha desgraça e a de vocês. Pobre inocente! O inferno não pode acometer aos pagãos!”

“Ah, isto! O relógio da vida parou há pouco. Não estou mais no mundo. – A teologia é séria, o inferno é sem dúvida embaixo – e o céu no alto.”

Paul Verlaine

Após a controvérsia com Verlaine, Rimbaud acabou quase que banido do meio literário. Decidiu entao abandonar a poesia para viver do tráfico de armas na África. Morreu aos 37 anos, depois de ter uma perna amputada por conta de um tumor não tratado a tempo.  
Embora tenha parado de escrever aos 21 anos, Arthur Rimbaud influenciou o surgimento da poesia moderna e os maiores escritores, artistas e músicos dos séculos XIX e XX. 
Disse Verlaine sobre ele: "Mortal, anjo e demônio, é o mesmo que dizer Rimbaud."


Uma Temporada no Inferno
Arthur Rimbaud
Tradução de Paulo Hecker Filho
74 páginas
LPM POCKET
2002

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O Discurso do Rei (Mark Logue & Peter Conradi)

Um rei com um grave problema de gagueira. Um país em véspera da Segunda Guerra Mundial. E um autodidata terapeuta vocal com metodos alternativos e eficazes. Foi assim que o quase desconhecido Lionel Logue salvou a família real inglesa nas primeiras décadas do século XX. Essa é a história verídica contada no livro  
O Discurso do Rei: Como Um Homem Salvou a Monarquia Britânica, escrito pelo neto de Lionel, Mark Logue com a ajuda do jornalista Peter Conradi. Com base nos diários e arquivos de Logue, eles reconstroem a relação de surpreendente intimidade entre dois homens muito diferentes.
Gago desde os 4 anos de idade, Albert, filho do rei britânico, não consegue se livrar dos constrangimentos que acompanham suas manifestações verbais públicas. Depois de passar, sem resultado, por vários especialistas, ele já não tem tanto interesse em novas tentativas, até porque seu irmão mais velho, Edward VIII, é o primeiro na linha sucessória para assumir o trono no lugar de seu pai. No entanto, já casado e com duas filhas, Albert atende o pedido de sua esposa Elizabeth (mãe da atual rainha Elizabeth), de tentar um novo tratamento com um fonoaudiólogo nada convencional, Lionel Logue. O contato inicial é tenso e Albert não se sente à vontade com a terapia alternativa. Mas, aos poucos, com os primeiros resultados positivos, passa a confiar no profissional. É quando ele se verá diante de uma situação absolutamente inusitada: seu irmão Edward, que assumira o trono por ocasião do falecimento de seu pai, abdica da coroa para casar-se com uma norte-americana divorciada. Fatalmente, Albert deverá assumir seu lugar, o que significa não apenas tornar-se rei, mas  ter todos os olhos e ouvidos do reino atentos a seus movimentos, atos e palavras. O momento não poderia ser mais delicado: vésperas da Segunda Guerra Mundial. Como poderia Albert, nomeado rei George VI, gaguejar diante de seu povo justamente na hora em que  mais se espera determinação e firmeza?
O verdadeiro Rei George VI, com filhas e a rainha Elizabeth I.
         Juntamente com a terapia, que envolve exercícios e técnicas incomuns, cresce a amizade entre Albert e Lionel.  O terapeuta ajuda a aumentar a  autoestima do rei e constrói uma segurança  nunca alcançada. O momento máximo de vitória acontecerá num belo discurso proferido com firmeza, sonoridade e clareza para uma população emocionada.

      

O verdadeiro discurso do rei.


Em 2010 foi lançado o filme "O Discurso do Rei", que deu a Collin Firth o Oscar de melhor ator por sua auação como o rei George VI.

Livro: O Discurso do Rei
Editora: José Olympio
Autor: MARK LOGUE & PETER CONRADI
Ano: 2011
Edição: 1
Número de páginas: 192

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Leila Diniz, Uma Revolução na Praia.


Para quem nasceu depois dos anos 70, o nome Leila Diniz remete a apenas algumas imagens, frases soltas, colagens de momentos. Uma foto grávida de biquíni, mostrando o barrigão, numa época em que as mulheres se escondiam. E uma célebre entrevista concedida ao Pasquim na qual, pontuada por palavrões, expunha sua visão sobre amor, sexo, homem e mulher, relacionamentos, liberdade e individualidade. O restante do que seria sua vida, lhe foi roubado numa queda de avião em 1972, aos 27 anos de idade. Já era mãe de Janaína, do seu casamento com Ruy Guerra e estava voltando de um Festival de Cinema na Austrália. 

No livro "Leila Diniz, uma Revolução na Praia", publicado em 2008 pela Companhia das Letras, o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos conta a história dessa dentucinha rebelde cuja personalidade solar desancou o machismo e desbancou o falso moralismo, dando um novo colorido aos comportados anos 60. Na obra, ele faz um mergulho na trajetória de Leila, desde a infância nada convencional até suas aparições no cinema e na televisão, após uma curta passagem pelo teatro. São histórias divertidas, descompromissadas e cheias de vida, como ela  é lembrada por todos que a conheceram.

Docemente desafiadora, Leila era, definitivamente, uma mulher fora dos padrões. Em plena ditadura militar, falava o que pensava e vivia do jeito que queria, escandalizando os mais moralistas. Nem poderia ser diferente, com a criação que recebeu. Seu pai, Newton Diniz, comunista de carteirinha, pregava o materialismo e enchia a estante do quarto dos filhos com a coleção de Romances do Povo, editada pelo partido.
A mãe biológica, Ernestina, nem chegou a criá-la. Ficou doente de tuberculose quando ela tinha apenas sete meses. Internada um sanatório, ao voltar, curada, o pai de Leila já morava com outra mulher, Isaura. Esta sim, a criou como filha - e ela só descobriu a verdade aos 10 anos de idade. Aluna mediana, que não se dava bem com regras e proibições, Leila era magrinha e nem de longe sugeria o furacão que abalaria o Brasil poucos anos depois. Antes de chegar ao 3° ano, começou a dar aulas para crianças como assistente. Professorinha revolucionária era a favor da educação com liberdade e instituía inovações como o dia da troca da merenda, numa tentativa de socializar a refeição. Mas quando os pais dos alunos impediram a matrícula de uma menina com Síndrome de Down, ela subiu nas tamancas e pediu demissão. Já havia conhecido Domingos de Oliveira, seu primeiro relacionamento sério. Se é que se podia falar em relacionamento sério com a rebelde Leila.

Ela ainda não tinha 18 anos quando bateu à porta de Domingos numa noite de Natal, com cabelos presos em maria-chiquinha. Ficara sabendo que ali haveria uma festa. Aos 25 anos, Domingos largara a faculdade de engenharia para trabalhar com cinema.  Diante da aparição de Leila, sugeriu que ela ajudasse a receber os convidados. Ela não só ficou, como se enturmou com todo mundo e às cinco da manhã, quando ele se ofereceu para levá-la em casa, respondeu, sonolenta: - Não, quero ficar. O relacionamento durou dois anos e meio e, no final, com o coraçao apertado, ele escreveu e dirigiu para ela “Todas as Mulheres do Mundo”. No filme, uma preciosidade em preto e branco, criticadíssimo na época, como sendo alienante, ela era ao mesmo tempo a atriz e o personagem.

Do cinema, ela parte para a TV, no auge da Era Magadan (Gloria Magadan, autora cubana cujas histórias eram repletas de duques, princesas e espadas ). Nas TVs Globo, Excelsior e Rio, Leila atou em diversas novelas, como Ilusões Perdidas (65), Eu compro esta mulher (66) e o Sheik de Agadir (67). Essa última se passava no deserto da Arábia e foi filmada na restinga da Marambaia. A coisa era tão fantasiosa que tinha até um sheik de olhos azuis, vivido pelo galã Henrique Martins. 

“Nada fazia nexo, mas novela boa devia ser assim, distanciada da realidade.” – garante Marieta Severo, que tornou-se a melhor amiga de Leila, que vivia na época um caso de amor com o sheik da história.  Como lembra a atriz Ana Maria Magalhães, era um casal "absolutamente improvável, um choque cultural". Com um detalhe: ele era casado e assim permaneceu durante os três anos que durou o romance.

Outras atrizes recordam o jeito descontraído de Leila: “Ela foi a primeira mulher a trabalhar sem sutiã” – revela Marília Pera. “Todo mundo comentava, mas ela não estava nem aí.” “Ela falava palavrão aos montes no estúdio e nenhuma atriz fazia isso na época” – lembra Irene Ravache. "Mas tudo passando longe de qualquer vulgaridade.”


A moderninha Leila, no entanto, foi barrada na primeira telenovela do país de argumento contemporâneo: Véu de Noiva, de Janete Clair. A justificativa da autora, confirmada por Daniel Filho, é de que o público misturaria a pesonagem com a vida pessoal da atriz, na época mais comentada que sua atuação.

Em menos de três décadas, Leila viveu intensamente os personagens que escolheu - no palco ou fora dele.  Sem se levar muito a sério, defendeu suas verdades. Mesmo inofensiva, foi tachada de  subversiva, por não ter medo de expressar suas opiniões.   Foi musa do amor livre e acabou  imortalizada por uma imagem que não podia ser mais feminina e maternal. Contada assim, em 265 páginas, sua história daria um filme. E deu. Foi filmado em 1987, com direção de Luiz Carlos Lacerda e  Louise Cardoso no papel principal. Mas a lembrança que fica mesmo de Leila é aquela do início desse texto, grávida, de barrigão, na praia, linda, livre e feliz.


Leila Diniz, Uma Revolução na Praia.
Joaquim Ferreira dos Santos
Coleção Perfis Brasileiros
Companhia das Letras

segunda-feira, 9 de abril de 2012

O Casamento (Nelson Rodrigues)

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. 
Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino". 
(Nelson Rodrigues)

Tão criticado quanto incompreendido. Tão amado quanto odiado. Para uns, um pervertido, para outros um reacionário. Em se tratando de Nelson Rodrigues, impossível mesmo é ficar indiferente à sua obra, seu talento e sua personalidade. Tanto que, poucas décadas após sua morte e a caminho de seu centenário, a história tratou de colocá-lo em seu lugar de direito, como um dos maiores cronistas e dramaturgos brasileiros.
Com seu estilo trágico e passional, em sua segunda peça, Vestido de Noiva, encenada em 1942, praticamente reinventou o gênero, dando início ao moderno teatro brasileiro. Batizou, assim, as peças carregadas de tragédias burguesas, que desvendam a hipocrisia existente no seio da tradicional família brasileira: histórias rodrigueanas.
Fruto de uma vida marcada por dramas pessoais, o texto de Nelson é doído, rasgado, irônico, descarado. Escancara o que não se diz, penetra os pensamentos mais recônditos e coloca às claras o que a sociedade – daquele tempo e dos dias de hoje - insiste em esconder: a esposa adúltera, o pai pervertido, o padre hipócrita, a adolescente maliciosa. Colocando em cheque crenças e valores, põe na boca de seus personagens aquilo que ele, Nelson, tem vontade de bradar aos quatro cantos: "Não existe família sem adúltera". "Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém se cumprimentaria." "O ato sexual é uma mijada." "Só o cinismo redime o casamento." As famosas pérolas de Nelson Rodrigues.
Publicado em 1966, "O Casamento" foi o único romance do autor escrito para ser publicado diretamente em livro e não em crônicas de jornais. Bem ao estilo de Nelson Rodrigues, nada melhor do que uma instituição sagrada para servir de palco para uma história arrebatadora de desencontros, traumas, hipocrisia e tabus. Pouco tempo depois de lançado o livro seria censurado pelo Ministro da Justiça do Governo Castelo Branco, por ser considerado um "atentado" contra a "organização da família". A essa altura, porém, já alcançara grande sucesso entre os leitores.
Na história, os temas preferidos do autor- as mazelas do casamento, a homossexualidade no seio familiar, a traição, a perversão, desfilam um a um diante do leitor.
O personagem principal, Sabino Uchoa Maranhão, é um pai de família sério e respeitável, às voltas com o casamento da filha caçula, Glorinha. "Magro, de canelas finas, diáfanas, peito cavado, costelas de Cristo", Sabino é perseguido por lembranças do pai em seu leito de morte, "com o pijama dourado de fezes". "O pai queria que ele fosse um homem de bem e desde então a vontade do defunto o acompanhava por toda parte".
Homem recatado, não dizia certas palavras e "o ato amoroso era em silêncio". De rosto atormentado e olhar intenso, Sabino não consegue esconder a preferência pela filha mais nova. "Eu daria a minha última camisa à minha filha".
Acreditando ser um homem de virtude, mantém um casamento morno com Eudóxia, com quem se casara "porque era impotente com prostitutas". Sua aparente respeitabilidade nao impede que às vésperas das núpcias da filha convide sua secretária, dona Noêmia para um encontro furtivo. Na ocasião, não esconde o desprezo pela reação da funcionária: "A senhora não soube nem fingir uma resistência."
A trama central de "O Casamento" se passa nas 48 horas que antecedem o casamento de Glorinha e Teófilo. O médico da noiva, senhor Camarinha procura Sabino para revelar que flagara o rapaz no consultório beijando seu assistente. O dilema se instala em sua mente: contar o acontecido à filha é cancelar um casamento. Não contar é levá-la a um destino infeliz. "Um pai nao tem o direito de ignorar a pederastia de um genro."
Com dúvidas sobre o que fazer, tenta se aconselhar com o monsenhor Bernardo, velho amigo da família e que viu a menina crescer. Sem conseguir revelar o motivo da consulta, acaba se confessando com o padre sobre um episódio vivido na  infância.  É quando o religioso dá um conselho desconcertante: “Assuma sua lepra”.

A partir daí, uma série de acontecimentos vem à tona, envolvendo a futura noiva, sua amiga Maria Inês, o filho do Dr.Camarinha, Antonio Carlos, viciado em drogas, o assistente do médico, Zé Honório e seu pai moribundo, e finalmente uma contundente revelação de Sabino a sua filha.
Em "O Casamento", tudo se mistura. Sob a aparente vida familiar acima de qualquer suspeita, há perversão sexual, homossexualismo, adultério e incesto. Cada personagem, com seu drama e seus demônios particulares. Curiosamente, a figura menos presente de toda a trama é o noivo de Glorinha, com o suposto flagrante homossexual, pois por trás desse incidente desenrolam-se episódios muito mais marcantes, com segredos e perversões reveladas, suicídios e assassinatos.
Porém, como diz o Dr. Sabino, "o importante é o casamento".

O Casamento
Publicado em 1966, pela Editora Guanabara
Relançado em 1992, pela Companhia das Letras
259 páginas

O autor: Nelson Rodrigues foi o mais revolucionário personagem do teatro brasileiro. Com uma vida marcada por tragédias familiares e com saúde frágil, sempre provocou polêmicas com sua obra em crônicas e no teatro e por suas inigualáveis frases. Chamado, ao mesmo tempo, de imoral e moralista, reacionário e pornográfico, escandalizava o público e a crítica, encenando nos palcos a vida cotidiana do subúrbio do Rio de Janeiro. Começou como repórter policial e cronista, passando a escrever para o teatro nos anos 40. Considerado o fundador do moderno teatro brasileiro, escreveu 17 peças, tendo várias delas interditadas pela censura. Entre seus maiores sucessos estão Vestido de Noiva - 1942, Os Sete Gatinhos -1958, Boca de Ouro - 1960 e Toda Nudez será castigada -1965. É considerado com justiça o maior dramaturgo brasileiro. Nasceu no Recife,  PE, em 23 de agosto de 1912 e faleceu no Rio de Janeiro, em 21 de dezembro de 1980.

terça-feira, 6 de março de 2012

Por que ler Gabriel García Marquez.


Porque esse colombiano é considerado pela crítica literária mundial, como um dos mais importantes escritores do século XX.
Porque escreveu alguns dos mais importantes livros da literatura contemporânea.
Porque foi o criador do realismo mágico.
Porque seu mais famoso livro, "100 anos de Solidão", publicado em 1967, tornou-se um marco na literatura latino-americana: a segunda obra mais importante da literatura hispânica, depois de "Dom Quixote de la Mancha".
Porque esse mesmo livro  foi traduzido em 35 idiomas com venda calculada em mais de 30 milhões de exemplares.

Porque em 1982 ganhou o prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra.
Por causa de Macondo.
Pela saga da família Buendía.
Pelo "Relato de um Náufrago" e pela "Notícia de um Sequestro".
Pela paixão tardia de um ancião de 90 anos por uma adolescente virgem.
Por causa do amor de Firmina Dazo e Florentino Ariza, que demorou 53 anos, 4 meses e 11 dias para se concretizar.
Pela morte anunciada de Santiago Nazar.
Porque hoje ele completa 85 anos.

domingo, 4 de março de 2012

O Carrasco do Amor (Dr. Irving D. Yalom)

Autor do best seller "Quando Nietzche chorou", em "O Carrasco do Amor", Dr Irving D. Yalom relata os casos de 10 pacientes que buscaram terapia pelos mais diversos motivos - solidão, impotência, depressão, obesidade - e no decorrer do tratamento se debateram com a dor existencial.

Segundo ele, toda terapia consiste em evocar o desejo - o querer de cada um:
"Eu quero de volta minha filha morta."
"Eu quero toda mulher que vejo."
"Eu quero os pais, a infância que nunca tive."
Descobrir o querer e enfentar as dores que marcam sua vida é a chave para um maior sucesso na cura da angústia .
Por meio dessas histórias verídicas, Dr.Irving demonstra que é possivel enfrentar as verdades da existência e aproveitar o seu poder para a mudança e o crescimento pessoal.
Mesmo com autorização expressa dos pacientes para publicação de suas histórias, o autor teve o cuidado de camuflar um pouco, mudando características, de forma a proteger suas identidades.
E ainda que seja ele o psiquiatra, também se debate com dificuldades em atender alguns casos, enfrentando seus próprios medos e preconceitos, como na terapia de Betty, descrita no conto intitulado " A Mulher Gorda".
Betty chegara ao consultório solitária, deprimida e pesando 115 kg. A primeira impressão por parte de Dr. Irving foi de afastamento: "Ela se sentava alta na cadeira como se estivesse sentada em seu próprio colo. Seria possível que suas coxas e nádegas fossem tao infladas que os pés teriam de ir mais longe para alcançar o chão?"
Tendo aversão a pessoas obesas, o médico revela que precisou vencer suas próprias dificuldades para admirar - e abraçar - a Betty que acabou surgindo ao longo do tratamento, durante o qual perdeu mais de 35 kg.
No conto que dá nome ao livro, "O Carrasco do Amor", Dr. Yalom se desdobra para entender o enigma de Thelma, que aos 70 anos de idade, cabelos amarelos despenteados, e tremor senil no queixo, confessava estar perdidamente apaixonada por um homem 30 anos mais novo, seu antigo terapeuta - que nao via há oito anos.
" O amor deThelma era monstruosamente desequilibrado, não continha nenhum prazer; sua vida era um completo tormento". E mais à frente:
" Havia algo de incongruente na ideia de uma mulher desgrenhada de 70 anos de idade, apaixonada, doente de amor. Ela sabia disso, eu sabia disso e ela sabia que eu sabia."
A terapia de Thelma acaba dando um resultado positivo, mas não da forma como o médico esperava.
"Se o estupro fosse legal" conta a história de Carlos, um paciente divorciado, solitário e debilitado, que lutava contra um linfoma raro, agora em estágio teminal. Amargurado, Carlos buscava desesperadamente uma esposa, enquanto repelia a aproximação das pessoas pela acidez de seus comentários.
Durante o atendimento, Dr Irving se depara com uma das mais difíceis situações e enigmas enfrentados por psiquiatras: "Que sentido faz falar sobre tratamento ambicioso com alguém cujo periodo de vida previsto talvez seja, na melhor das hipoteses, uma questão de meses?"
A resposta viria no decorrer do tratamento: o paciente sarcástico e ansioso deu lugar a um homem sereno e agradecido que acabou criando um grupo de terapia para outros pacientes com câncer.
Carlos não só assumiu e enfrentou a inevitabilidade da morte, como também deu ao seu terapeuta "o maior presente" que ele poderia receber."Quando eu o visitei no hospital ele estava tão fraco que mal conseguia se mexer, mas ergueu a cabeça, apertou minha mão e sussurrou:  - Obrigado por salvar a minha vida."
Em "Morreu o filho errado", Dr. Yallom trata de Penny, 38 anos, uma mulher divorciada, robusta e envelhecida que perdera a filha com leucemia, pouco antes de fazer 13 anos, após 4 anos de sofrimento. Com mais dois filhos adolescentes (ambos desajustados), ela se separara do marido e congelara sua tristeza, sem conseguir lidar com a dor da perda. Como efeito do atendimento, ela revela que se sentia culpada por não se lembrar da morte da filha e por não ter podido ajudá-la na hora da partida, porque se recusava a deixá-la ir embora.
"A pior coisa que se pode fazer a alguém é a morte solitária. E fora assim que ela deixara sua filha morrer. "
No processo de terapia, Dr Yalom se divide entre entender a dor de Penny  -"É crime manter a esperança ? Que mãe quer acreditar que a filha tem de morrer?" -  e, ao mesmo tempo, ajudar a paciente a recompor sua vida, livrando-se da culpa.
" Perder um filho é perder o futuro. O que é perdido nada mais é do que o projeto de vida,"
"Deixá- la partir nao é o mesmo que esquecê-la e ninguem está te pedindo pra desligar um interruptor."
Pouco a pouco, a paciente conseguirá verbalizar o que tanto a deprime: "Eu tive 3 filhos, um deles era um anjo e os outros dois- olhe para eles - um na cadeia e outro viciado. Eu tive 3 filhos e morreu o filho errado."
Por meio de histórias como as de Thelma, Carlos, Betty e Penny, com as quais, muitos poderão se identificar, Dr Irving revela para os leitores como funciona a relação paciente- psiquiatra, sem medo de expor sua própria fragilidade, preconceitos, temores e erros.
Útil tanto para profissionais como para qualquer pessoa interessada na natureza humana, "O Carrasco do Amor" conta história de gente que enfrentou seus demônios e medos para descobrir um significado para sua vida.

"O Carrasco do Amor"
Dr. Irving D. Yalom
Ediouro
2007

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Goodbye, George.

Há alguns meses, eu publiquei aqui no blog uma resenha sobre a obra “Um Livro por dia” (no original “Time was soft there”), de Jeremy Mercer, na qual ele relata sua experiência na Shakespeare and Company, pitoresca livraria situada no coração de Paris, ponto turístico obrigatório de toda pessoa que tem paixão por livros.

A resenha - e o livro - encantaram muita gente, não exatamente pela história contada pelo autor, que no fim dos anos 80 passou uma temporada na livraria, mas pela proposta do seu fundador, George Whitman: durante mais de meio século ele recebeu escritores e artistas pobres em sua charmosa livraria-hospedaria. Em troca, cabia aos hóspedes realizar pequenos serviços, produzir ali uma obra e ler “um livro por dia.”
Hoje, tardiamente, recebi informação do site da livraria (http://www.shakespeareandcompany.com/) de que dia 14 de dezembro passado o velho George escreveu o último capítulo de sua vida.

Ele, que continuou lúcido e lendo até o fim, em companhia de sua filha, Sylvia Whitman, seu cão e seu gato, acabara de completar 98 anos.
Todos sabiam da inevitabilidade do fato- era um senhor quase centenário e sua filha já assumira há anos o comando da Shakespeare and Company, onde Whitman ainda residia.
No entanto, não posso deixar de sentir uma pontinha de tristeza por saber que jamais terei a oportunidade de apertar a mão desse sonhador, excêntrico e enigmático que tanto contribuiu para o surgimento de grandes talentos da literatura contemporânea.
Rest in peace, George. And thank you.


O e-mail enviado pela S&C:

A new year has begun and on the first day of 2012 a double rainbow appeared over Notre Dame which was a spectacular start. We'd like to extend an enormous thank you for all of the support and love and messages of condolence after the passing of George Whitman, the founder of Shakespeare and Company. George touched the lives of so many book-lovers around the world. At the end of December, after his funeral at Père Lachaise, there was a joyful celebration of his life at the bookshop accompanied by music and stories from some of the many people who loved him.
As George said 'When I opened my bookstore in 1951 this area in the heart of Paris was a slum with street theatre, mountebanks, junkyards, dingy hotels, wine shops, little laundries, tiny thread and needle shops and grocers. Back in 1600 in the middle of this slum our building was a monastery with a frère lampier who would light thelamps at sunset. I seem to have inherited his role because for 50 years now I have been your frère lampier - the lamp-lighter who is hoping that someone else will come along to carry on his mission.'
George's daughter Sylvia is carrying on his mission.


O site da Forbes Magazine também dedicou, dia 28/12, longa matéria ao genial maluco, que se identificava com um personagem de Dostoyewsky e que se transformou no “mais famoso livreiro do mundo”.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Nelson Rodrigues, O Anjo Pornográfico (Ruy Castro)

Como afirma Ruy Castro, logo na introdução de "O Anjo Pornográfico", não há jeito de contar a história de Nelson Rodrigues (1912-1980) e de sua família, a não ser em forma de romance. Com lances trágicos e rocambolescos, sua vida consegue superar até mesmo a ficção que ele levou para os livros e peças de teatro, com toda crueza e fascínio capazes de existir na vida como ela é.
Nesta excelente biografia, o autor preocupa-se, não em analisar criticamente a obra desse grande intelectual, mas as circunstâncias em que ela foi produzida. Ou seja, os bastidores, o cotidiano, o pensamento, as emoções que inspiraram a vida de um dos nossos mais famosos - e polêmicos - escritores e dramaturgos.
Para Ruy Castro, Nelson era mais que um homem de teatro. Se houve um palco principal em sua vida, seriam as instalações do jornal. Ou até mesmo as ruas - especificamente do Rio de Janeiro dos anos 40, 50, 60.
Ninguém melhor do que ele para retratar o dia a dia comum de gente comum, com todas as suas imperfeições, obsessões, medos, taras e paixões.
Pagou um preço. Foi chamado de tarado durante anos. E no fm da vida, de reacionário. Foi perseguido pela direita e pela esquerda. Por cristãos e ateus. Porém, seu talento era inquestionável.
Para escrever O Anjo Pornográfico, Ruy Castro realizou centenas de entrevistas com pessoas que conheceram intimamente Nelson Rodrigues e sua família, cujos dramas mais parecem folhetins. Quinto filho dos 14 de Mário Rodrigues e Maria Esther, Nelson nasceu no Recife. Seu pai, letrado e leitor voraz, conciliava atividades políticas e jornalisticas. Depois de várias incursões na política e em jornais do Recife, acabou indo parar no Correio de Manhã, no Rio de Janeiro, para onde sua esposa o seguiu, já com uma escadinha de filhos.
Nelson começou a frequentar a escola e aprendeu a ler "quase de estalo". Mas o que chamava a atenção sobre sua figura era "sua cabeça enorme, desporporcional ao tronco." Aos oito anos, no segundo ano primário, a professora quase deixou cair os óculos ao ler a redação do menino: um caso de adultério onde o marido, ao chegar em casa, encontra a esposa nua na cama e um vulto saindo pela janela.
Essa temática estaria presente em toda a obra de Nelson. Mas antes disso, ele passaria anos trabalhando em jornais. Primeiro, os do seu pai, A Manhã (tinha apenas 13 anos e meio) e Crítica, onde também teriam cargos seus irmãos Mário Filho, Milton e Roberto. E posteriormente, em O Globo, de Roberto Marinho. Ainda em A Manhã, Nelson em pouco tempo tornou-se editorialista, ao lado de Monteiro Lobato e Agripino Grieco.Tinha 16 anos.
O jornal "Crítica", fundado por seu pai em 1928, tinha um editorial mais agressivo, cujo lema era "Declaramos guerra de morte aos ladrões do povo". O forte eram as fotos dos políticos com as cabeças distorcidas. Mas tinha uma tendência de dar ênfase tanto a fatos políticos, quanto a ocorrências criminais, sempre em tons apelativos. Certo dia, quando o jornal se excedeu no tema ao anunciar um rumoroso caso de desquite, a redação tornou-se palco de um crime.
Pior: o assassinato de um membro da família Rodrigues.
No dia 27 de dezembro de 1929, Sylvia Seraphim adentrou a redação procurando por Mário Rodrigues ou qualquer um de seus filhos. Ao ser atendida por Roberto, desferiu um tiro que alojou-se em sua coluna. Ele morreu dias depois, deixando a familia desolada. Foi a primeira grande tragédia da vida de Nelson. 67 dias depois, seu pai Mário Rodrigues, que jamais se recuperara do golpe, morre de derrame.
Esses dois acontecimentos dão o tom do que seria a vida de Nelson dali para a frente. Junto com outros jornais, o dos Rodrigues foi atingido pelo "empastelamento", na Revolução de 30, tendo que fechar as portas. Para se recuperarem do baque financeiro, Mário Filho e Nelson vão trabalhar no jornal O Globo, de Roberto Marinho. Com a familia passando dificuldades na ditadura de Getúlio Vargas, a saúde de Nelson se fragilizou e anos depois, ele contrairia uma tuberculose que o acompanharia por 15 anos, além de várias outras complicações. Nos periodos em que se internava em sanatórios para se tratar, nunca deixou de receber seu salário no jornal O Globo.
Entre uma e outra internação, casou-se com a jovem Elza, que conhecera no jornal. Tanto a família dela quanto o próprio Roberto Marinho se opunham ao casamento. A mãe dela, porque ele era pobre e "não tinha onde cair morto". Marinho, porque apesar de brilhante, considerava o jovem Nelson "preguiçoso e doente". Não adiantou. Casaram-se secretamente no Civil até que família dela concordasse com o casamento religioso.
Trabalhando em dois jornais, Nelson começou a enveredar pelo caminho do teatro.
Escreveu A Mulher sem Pecado, que conseguiu boas críticas, e em seguida, Vestido de Noiva,  essa sim, uma  revolução e um marco no moderno teatro brasileiro. Produziria outras grandes obras, como Beijo no Asfalto, Bonitinha mas Ordinária e os Sete Gatinhos. Paralelamente, manteve suas célebres colunas em O Globo e Última Hora (de Samuel Wainer). Publicou livros de crônica e romances como "Asfalto Selvagem" e "O casamento". E acabou se envolvendo com outra mulher, Lúcia. Ao separar-se de Elza para casar com o novo amor, tinha 49 anos e filhos já adultos. Ele e Lúcia tiveram uma filha, Daniela, que nasceu com um grave problema, cega e condenada a viver sobre uma cama. Mais um entre tantos dramas que permearam a vida do grande autor. Anos depois, ele retomaria o casamento com Elza, com quem viveu até os últimos dias.
A riqueza de detalhes com que Ruy Castro nos conta a trajetória e o legado deixado por Nelson Rodrigues para a cultura em nosso país, nos faz conhecer não apenas o biografado, mas inúmeros personagens fascinantes que fizeram parte de sua existência, como seu pai Mário Rodrigues, o irmão Robeto, pintor e ilustrador precocemente morto, o genial Ziembinski, o poderoso Roberto Marinho e a igualmente polêmica Dercy Gonçalves.Tudo tão intenso que os retratados parecem velhos conhecidos nossos. Mas nenhuma descrição supera a da persona Nelson Rodrigues, que até o fim da vida  dividiu opiniões entre os que o amavam e o odiavam. Sua obra, porém, não deixa dúvidas sobre a grandiosidade de seu talento.
Talvez a melhor definição de sua personalidade tenha vindo mesmo do próprio Nelson:
"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico”.

O Anjo Pornográfico
Ruy Castro
Editora: Companhia das Letras
Ano: 1992

O polêmico Nelson Rodrigues:

“Invejo a burrice, porque é eterna”

“O brasileiro é um feriado”

"A fidelidade devia ser facultativa."

“Só o inimigo não trai nunca”

"Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava"

 "Toda unanimidade é burra."

O autor:
Nascido em 1943, em Caratinga, MG, Ruy Castro atuou a partir de 1967 em importantes veículos da imprensa do Rio e de São Paulo e iniciou a produçao de livros em 1988. Reconhecido pela produção de biografias, como "Estrela Solitária" (sobre Garrincha)  e "Carmen" (Carmen Miranda), além de obras de reconstituição histórica, como "Chega de Saudade" (sobre a Bossa Nova) e  "Ela é Carioca" (sobre o bairro de Ipanema).