segunda-feira, 9 de abril de 2012

O Casamento (Nelson Rodrigues)

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. 
Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino". 
(Nelson Rodrigues)

Tão criticado quanto incompreendido. Tão amado quanto odiado. Para uns, um pervertido, para outros um reacionário. Em se tratando de Nelson Rodrigues, impossível mesmo é ficar indiferente à sua obra, seu talento e sua personalidade. Tanto que, poucas décadas após sua morte e a caminho de seu centenário, a história tratou de colocá-lo em seu lugar de direito, como um dos maiores cronistas e dramaturgos brasileiros.
Com seu estilo trágico e passional, em sua segunda peça, Vestido de Noiva, encenada em 1942, praticamente reinventou o gênero, dando início ao moderno teatro brasileiro. Batizou, assim, as peças carregadas de tragédias burguesas, que desvendam a hipocrisia existente no seio da tradicional família brasileira: histórias rodrigueanas.
Fruto de uma vida marcada por dramas pessoais, o texto de Nelson é doído, rasgado, irônico, descarado. Escancara o que não se diz, penetra os pensamentos mais recônditos e coloca às claras o que a sociedade – daquele tempo e dos dias de hoje - insiste em esconder: a esposa adúltera, o pai pervertido, o padre hipócrita, a adolescente maliciosa. Colocando em cheque crenças e valores, põe na boca de seus personagens aquilo que ele, Nelson, tem vontade de bradar aos quatro cantos: "Não existe família sem adúltera". "Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém se cumprimentaria." "O ato sexual é uma mijada." "Só o cinismo redime o casamento." As famosas pérolas de Nelson Rodrigues.
Publicado em 1966, "O Casamento" foi o único romance do autor escrito para ser publicado diretamente em livro e não em crônicas de jornais. Bem ao estilo de Nelson Rodrigues, nada melhor do que uma instituição sagrada para servir de palco para uma história arrebatadora de desencontros, traumas, hipocrisia e tabus. Pouco tempo depois de lançado o livro seria censurado pelo Ministro da Justiça do Governo Castelo Branco, por ser considerado um "atentado" contra a "organização da família". A essa altura, porém, já alcançara grande sucesso entre os leitores.
Na história, os temas preferidos do autor- as mazelas do casamento, a homossexualidade no seio familiar, a traição, a perversão, desfilam um a um diante do leitor.
O personagem principal, Sabino Uchoa Maranhão, é um pai de família sério e respeitável, às voltas com o casamento da filha caçula, Glorinha. "Magro, de canelas finas, diáfanas, peito cavado, costelas de Cristo", Sabino é perseguido por lembranças do pai em seu leito de morte, "com o pijama dourado de fezes". "O pai queria que ele fosse um homem de bem e desde então a vontade do defunto o acompanhava por toda parte".
Homem recatado, não dizia certas palavras e "o ato amoroso era em silêncio". De rosto atormentado e olhar intenso, Sabino não consegue esconder a preferência pela filha mais nova. "Eu daria a minha última camisa à minha filha".
Acreditando ser um homem de virtude, mantém um casamento morno com Eudóxia, com quem se casara "porque era impotente com prostitutas". Sua aparente respeitabilidade nao impede que às vésperas das núpcias da filha convide sua secretária, dona Noêmia para um encontro furtivo. Na ocasião, não esconde o desprezo pela reação da funcionária: "A senhora não soube nem fingir uma resistência."
A trama central de "O Casamento" se passa nas 48 horas que antecedem o casamento de Glorinha e Teófilo. O médico da noiva, senhor Camarinha procura Sabino para revelar que flagara o rapaz no consultório beijando seu assistente. O dilema se instala em sua mente: contar o acontecido à filha é cancelar um casamento. Não contar é levá-la a um destino infeliz. "Um pai nao tem o direito de ignorar a pederastia de um genro."
Com dúvidas sobre o que fazer, tenta se aconselhar com o monsenhor Bernardo, velho amigo da família e que viu a menina crescer. Sem conseguir revelar o motivo da consulta, acaba se confessando com o padre sobre um episódio vivido na  infância.  É quando o religioso dá um conselho desconcertante: “Assuma sua lepra”.

A partir daí, uma série de acontecimentos vem à tona, envolvendo a futura noiva, sua amiga Maria Inês, o filho do Dr.Camarinha, Antonio Carlos, viciado em drogas, o assistente do médico, Zé Honório e seu pai moribundo, e finalmente uma contundente revelação de Sabino a sua filha.
Em "O Casamento", tudo se mistura. Sob a aparente vida familiar acima de qualquer suspeita, há perversão sexual, homossexualismo, adultério e incesto. Cada personagem, com seu drama e seus demônios particulares. Curiosamente, a figura menos presente de toda a trama é o noivo de Glorinha, com o suposto flagrante homossexual, pois por trás desse incidente desenrolam-se episódios muito mais marcantes, com segredos e perversões reveladas, suicídios e assassinatos.
Porém, como diz o Dr. Sabino, "o importante é o casamento".

O Casamento
Publicado em 1966, pela Editora Guanabara
Relançado em 1992, pela Companhia das Letras
259 páginas

O autor: Nelson Rodrigues foi o mais revolucionário personagem do teatro brasileiro. Com uma vida marcada por tragédias familiares e com saúde frágil, sempre provocou polêmicas com sua obra em crônicas e no teatro e por suas inigualáveis frases. Chamado, ao mesmo tempo, de imoral e moralista, reacionário e pornográfico, escandalizava o público e a crítica, encenando nos palcos a vida cotidiana do subúrbio do Rio de Janeiro. Começou como repórter policial e cronista, passando a escrever para o teatro nos anos 40. Considerado o fundador do moderno teatro brasileiro, escreveu 17 peças, tendo várias delas interditadas pela censura. Entre seus maiores sucessos estão Vestido de Noiva - 1942, Os Sete Gatinhos -1958, Boca de Ouro - 1960 e Toda Nudez será castigada -1965. É considerado com justiça o maior dramaturgo brasileiro. Nasceu no Recife,  PE, em 23 de agosto de 1912 e faleceu no Rio de Janeiro, em 21 de dezembro de 1980.

4 comentários:

  1. Oi, Ana Paula. Eu recomendo muito esse livro. Nelson Rodrigues não é leitura difícil, basta estar aberto a aceitar tudo o que é humano. Recomendo também "A vida como ela é", maravilhoso. Abraços!

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  2. Estou lendo o livro para um trabalho sobre redação do curso de jornalismo, muito bom o livro, a forma como o escritor descreve as cenas, os personagens e o melhor os desenhos e emoções deixa a obra muito leve e gostosa de ler. recomendo.

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    1. Olá, esse livro é realmente instigante, como toda a obra do Nelson. Eu o admiro muito por seu estilo inconfundível de retratar o ser humano de forma crua, sem hipocrisia, sou super fã dele. Recomendo também Asfalto Selvagem. Abs.

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