terça-feira, 13 de julho de 2010

Achei que meu pai fosse Deus (Paul Auster)


Dizem que a vida imita a arte.  Em certos casos, porém, a arte pode imitar ou abastecer-se de realidade. É o que acontece nessa singela coletânea de histórias reunidas por Paul Auster no livro "Achei que meu pai fosse Deus - e outras histórias verdadeiras da vida norte-americana".  
Trata-se de uma compilação de textos escritos por pessoas comuns, relatando "causos", fatos e memórias de suas próprias vidas - bem como de parentes ou conhecidos - das mais variadas regiões dos Estados Unidos.  Convidado a fazer um programa mensal numa rede de emissoras de rádio, o escritor Paul Auster, por sugestão de sua esposa, pediu aos seus ouvintes que enviassem relatos a serem lidos no ar. A única obrigatoriedade era que fossem "histórias verdadeiras que parecessem ficção e que se recusam a obedecer as leis do senso comum". 

Prontamente foi  surpreendido por centenas, milhares de cartas enviadas de todos os cantos do país, por donas de casa, padres, empresários, fazendeiros, veteranos de guerra. Em apenas um ano, recebeu mais de 4 mil relatos. "Tantas vozes de tantos lugares diferentes. Era como se fosse toda a população dos EUA invadindo minha casa."  E o que havia sido uma ideia para um programa de rádio transformou-se em um livro, no qual ele seleciona algumas das melhores histórias enviadas.
Dividido em 10 categorias - Animais, Objetos, Famílias, Sonho, Morte, etc - o livro reúne relatos comoventes, alguns quase pueris, outros fantasiosos e mesmo assustadores, contados por vozes reais, sem preocupação literária, a não ser por uma cuidadosa edição realizada por Auster. Um a um, os personagens falam de suas vidas, ou de pessoas próximas, revelando um fato extraordinário, um momento incomum, como se estivessem sentados na varanda de suas casas. 
Descobrimos, assim, como a aliança de ouro da mãe se transformou no primeiro par de calças que o jovem John Keith, da California, usou na vida. Divertimos-nos com a  história Tony Forwell, de Kentucky, cujo pai tinha um nariz que controlava sua vida. E nos comovemos com a  amizade de 62 anos entre Beth Coff, de Nova York e Jean, que se encontraram apenas duas vezes na vida: a primeira, numa viagem de trem, quando trocaram endereços para  correspondência - e a segunda, seis décadas depois, já octogenárias, viúvas e realizadas. 
Podemos imaginar a cena hilária de Nancy Wilson, de Nova Jersey que, ao nadar nua num lago, perdeu as roupas e, literalmente, atravessou a porta de nylon de uma casa próxima, desabando diante do olhar atônito dos residentes. Há também narrativas intrigantes como a da avó de Martha Duncan, do Maine, que morreu sufocada num incêndio em sua casa. No armário do salão dos fundos, totalmente destruído pelo fogo, a única roupa intacta era o vestido branco que a velha senhora reservara, há anos, para ser usado em seu funeral. 

Impressionante? Talvez. Mas não há dúvidas de que a vida possa, em diversos momentos, superar a arte. E pessoas comuns recebem provas disso todos os dias. 
Com suas narrativas simples, humanas e despretensiosas, "Achei que meu pai fosse Deus" (título que advém de um dos textos do livro) é uma leitura que enriquece.


Abaixo texto publicado na Veja On Line sobre o livro: http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/230205/trecho_pai.html

Companhia das Letras, 400 páginas, organizado pelo escritor norte-americano Paul Auster.

2 comentários:

  1. alguem me sabe dizer o porque do titulo?

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  2. Ao anônimo: trata-se do título de uma das crônicas presentes no livro. Nela, Robert Winnie conta o dia em que seu pai teve uma discussão com o vizinho, que era hostil especialmente com as crianças. Nessa ocasião o pai de Robert gritou-lhe que "era melhor que morresse". O vizinho parara de gritar, ficara vermelho, pôs as mãos no peito e caiu no chão. Abraços.

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