terça-feira, 7 de setembro de 2010

Brando. Canções que Minha Mãe me Ensinou.


Não sou da geração que vibrou com o jovem Marlon Brando despontando na tela. A bem da verdade, o primeiro filme que assisti dele foi Superman, onde ele fez uma curta aparição como Jor El. Só assisti "O Último Tango em Paris" muitos anos depois de lançado, quando tive idade para ver a tal cena da manteiga. Na época, achei o filme meio chato, e Brando, aos 48, charmosíssimo. Só mais tarde, por meio de filmes como "O Poderoso Chefão", "Sindicato dos Ladrões" e "Um Bonde Chamado Desejo", pude comprovar o genial intérprete que ele foi.
Se o mito Marlon Brando, todos conhecem, Canções que minha mãe me ensinou, escrito com Robert Lindsey, nos traz a oportunidade de conhecer não só o homem por trás da lenda, mas também a criança que antecedeu o homem.
Com 370 páginas e recheado de belas fotos em preto e branco, a maioria de seu  acervo pessoal, o livro é um relato honesto, sem máscaras ou deslumbramento, de um dos mais respeitados atores de todos os tempos.
Abrindo mão de falsos pudores, ele expõe não só seu lado bonitinho, mas também seus erros, fraquezas e medos. Sua vida em família. O alcoolismo da mãe. A frieza do pai. O amor pelas irmãs. A sensação de solidão que o acompanhou durante toda a infância e adolescência, assim como desejo de ser amado. O desprezo que tinha pelo glamour de Hollywood e o senso de realidade com que encarava a profissão de ator.
Marlon Brando Jr. nasceu em 3 de abril de 1924, em Omaha, Nebraska, EUA,  filho da ex-atriz de teatro Dorothy Pennebaker e de Marlon Brando Sr., irmão de Jocelyn e Frances, a quem ele chamava Frannie. Aliás, todos na casa tinham apelidos e até quando já era famoso, a família o chamava simplesmente Bud.
É o menino Bud que parece ganhar vida, em certa fala do livro: "Quando minha mãe bebia, o hálito dela adquiria uma doçura que o meu vocabulário não consegue descrever. Era um casamento estranho, a doçura de seu hálito com o meu ódio do fato de ela beber".
O pai, caixeiro-viajante, passava muito tempo na estrada e não era dado a fidelidade. Seu jeito agressivo e distante marcou Brando por toda a vida. "Boa parte das lembranças que tenho de meu pai são aquelas em que fui negligenciado. (...) Nunca fui recompensado por um comentário, um olhar ou abraço dele."
Sempre mal na escola, foi mandado para a Academia Militar Shattuck. Tinha 16 anos e detestou o ambiente, claro. "Fazia qualquer coisa para evitar ser tratado como um número". O ódio pelo exército era proporcional à falta que sentia dos pais, que raramente lhe escreviam. "Quando olho para as cartas que enviei de Shattuck vejo uma criança ansiosa e solitária que nunca teve uma grande infância, que precisava de afeto e segurança".
Crescendo num lar tão frágil, Brando poderia facilmente ter se perdido no mundo. Quis o destino, para nossa sorte, que ele se tornasse ator. Convidado por Duke Wagner, chefe do departamento de inglês de Shattuck, fez um teste para a peça A message from Khufu. Foi aprovado. "A não ser nos esportes era a 1ª vez que alguém me dizia que eu fizera algo bem-feito".
Quando foi expulso da escola militar, Duke lhe disse: “Não se incomode, Marlon, vai dar tudo certo. Eu sei que o mundo vai ouvir falar de você.”
Em 1943, parte para Nova York, disposto a tentar ser ator. Descobre o gosto da liberdade. Toma o primeiro porre, dorme na calçada e perde a virgindade com uma vizinha de sua irmã chamada Estrelita Rosa Maria Consuelo Cruz.
Na Nova Escola de Pesquisa Social, tem aulas com professores judeus que apresentam-lhe “um mundo de livros e idéias” que ele nem sabia que existia. Estuda com Stella Adler, que levara para os EUA a técnica do Teatro de Arte de Moscou. Segundo Brando, Adler deixou um impressionante legado: “Praticamente todo o modo de interpretar do cinema atual foi influenciado por ela.”
A atuação na peça de Tenesse Williams "Um Bonde Chamado Desejo" foi um passo para o sucesso que viria. Mais tarde, ele participa da versão cinematográfica da peça, sob a direção de Elia Kazan e assim, conquista Hollywood. Fez inúmeros filmes, foi indicado ao Oscar diversas vezes e ganhou dois (um deles, devidamente recusado por motivos politicos).
Ator extremamente intuitivo, foi um dos primeiros a adotar um estilo realista de interpretação. Muitas vezes reescrevia suas falas, cenas, o filme inteiro. E conseguia torná-los melhores.
"Quando eu murmurava minhas falas em alguns papéis, deixava os criticos confusos. Fiz muitos papéis em que não murmurei sequer uma sílaba, mas em outros fiz isso de propósito porque é assim que todo mundo fala na vida diária".
Sem sucumbir ao brilho de Hollywood, ele falava a respeito de sua profissão: "é só um jeito de ganhar dinheiro". "Eu tive sorte porque me transformei em ator no início de uma época em que este ofício estava ficando mais interessante."
Sobre alguns atores com quem conviveu, é honesto e sarcástico ao mesmo tempo: "Eram produtos para o consumo. Representavam a si mesmos, mais ou menos nos mesmos papéis. Clark Gable era sempre Clark Gable em qualquer papel. Humphrey Bogart sempre representava ele mesmo".
Sobre Vivien Leigh com quem contracenou em "Um Bonde Chamado Desejo": "Como Blanche (sua personagem no filme), ela dormia com todo mundo e começava a se desgastar ao máximo, física e mentalmente". A respeito de Marilyn Monroe: "era sensível, incompreendida, tinha uma inteligência emocional muito forte". Tiveram um caso até 1962, quando ela morreu.
Sobre o amigo Montgomery Cliff, que conheceu em "Os Deuses Vencidos": "Era muito tenso e tinha muito charme, além de uma intensidade emocional muito forte. (...) Passei horas tentando convencê-lo a parar de tomar drogas e bebidas". Em vão. Cliff morreu em 1966 aos 46 anos.
Ao falar de "O Selvagem", um de seus maiores sucessos, Brando admite: "Os jovens estavam procurando um motivo - qualquer motivo - para se rebelarem. Eu estava apenas por acaso no lugar certo e na hora certa (...)."
Espantosamente sincero, confessa em um trecho do livro: "A fama tem sido a maldição de minha vida e por mim a teria desprezado de bom grado". "A não ser pelo dinheiro, será que eu gostei de ser astro de cinema? Acho que não".
Nos intervalos entre os filmes, engajou-se em causas sociais. Empenhou-se na defesa de minorias (ou maiorias) desprezadas. Na luta pelos direitos civis dos negros e dos índios norte-americanos. "Quando fui indicado pela minha atuação em "O Poderoso Chefão", pareceu-me um absurdo comparecer à entrega dos prêmios. Festejar uma indústria que vinha deturpando e difamando sistematicamente os índios americanos há 60 anos (...)."
Ao mesmo tempo, nunca deixou de se divertir com muitas mulheres e raros amigos. Mais velho, comprou a ilha paradisíaca de Teti´aroa, no Tahiti, que se tornou seu refúgio permanente quando não estava atuando. "Se algum dia cheguei perto de encontrar a verdadeira paz, foi na minha ilha, entre os tatitianos". Teve mulheres diversas, a maioria do tipo exótico, e nove filhos reconhecidos. O que a carreira lhe trouxe em glórias, a vida lhe deu em tragédias pessoais. Afora a infância turbulenta e o relacionamento com o pai, a quem só perdoou no fim da vida, seu filho mais velho Christian (com a atriz Anna Kashfi)  foi preso nos anos 90, por assassinar o namorado da irmã, Cheyenne (com a taitiana Tarita Teriipaia) que, anos depois suicidou-se. Ninguém imaginaria desfecho mais cinematográfico.
Com sua personalidade instigante, Marlon Brando deu vida a personagens inesquecíveis. Sua marca está presente no jovem sem esperanças de "Sindicato dos Ladrões". No imponente capo Don Corleone de "O Poderoso Chefão". No sedutor de meia-idade de "Don Juan de Marco". No alemão impassível de "Deuses Vencidos". No irlandês brigão de "Um Bonde Chamado Desejo". Talvez (como ele mesmo confessa), exista um pouco dele em cada um desses personagens. Ou talvez, no fundo, mesmo com toda fama e prestígio, ele nunca tenha deixado de ser o menino Bud, de Omaha.

BRANDO. Canções que Minha Mãe me Ensinou.
Editora:  Siciliano.
Ano: 1994

6 comentários:

  1. Eu amo muuuito Marlon...

    Já procurei tanto esse livro, mas não achei :(

    Ganhei meu dia ao ler que a felizarda q o desvirgino tem meu nome... CON-SU-E-LO!!! *_*

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  2. Corrigindo: "desvirginou"!

    Consuelo, "again".

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  3. Minha vida foi semelhante a do Marlon Brando.
    A única diferença é que sou mais bonito que ele.

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  4. Marlon Brando não estava nem aí. Viveu descolado do olhar infernal dos outros e a opinião alheia não tinha a menor importância. Era o contrário de Blanche Dubois, a frágilizada mulher de Street Car Named Desire, que sempre precisou da boa vontade de estranhos. Não tinha também nada a ver com Montgomery Cliff, namorado secreto de Cary Grant, que tentou o suicídio por ser obrigado pelo estúdio a se casar com uma mulheeerr. Brando não estava nem aí. Deve a isso e a seu extraordinário talento fazer um mafioso com a boca cheia de algodão sem pagar mico, no caso, um superorangotango. Ou ser o pai do Superman sem provocar risos. Ou fazer, com quase 200 quilos, um sedutor de incrível leveza em Dom Juan de Marco, ensinando os homens e merecer o amor de uma mulher.
    Brando não estava nem aí, nem aqui e nem no Taiti.
    Mari, beijos.

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  5. vc saberia me dizer onde posso encontrar esse livro para baixar em pdf ou outro formato digital?

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    1. Olá, amiga. Não sei, infelizmente. Adquiri numa troca e gostei muito do livro, mas não me lembro de tê-lo visto em formato digital. Vou pesquisar e se encontrar eu te envio. Abraços!

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