segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Quase Memória, Quase Romance.

No ano de 1995 um pacote é deixado na recepção do hotel que Carlos Heitor Cony costumava frequentar. Alguém havia pedido que lhe fosse entregue em mãos. Imediatamente, ele reconhece no embrulho, na letra sobrescrita e no nó cuidadoso, traços muito familiares.
"Era a letra de meu pai. A letra e o modo. Tudo no embrulho o revelava, inteiro, total. Só ele fazia aquelas dobras no papel, só ele daria aquele nó no barbante ordinário (...)”
Porém, uma coisa não fazia sentido: seu pai, o jornalista Ernesto Cony Filho havia falecido dez anos antes.
Desse misto de lembrança e ficção, fantasia e emoção, ironia e carinho nasceu o romance Quase Memória.
Levando para casa o pacote, o autor dedica-se a observá-lo, sem coragem de abri-lo. "Queria apenas ficar sozinho, não exatamente para abrir o envelope, mas para pensar no assunto, embora se tratasse de assunto impensável".
É assim que aquele pacote fechado abre um baú de recordações.
Um aroma presente no embrulho o remete a um pote de brilhantina colocado pelo pai em suas bagagens de seminarista e que fora confiscado no primeiro dia pelo padre Cipriano, sob a alegação de ser "um emblema de luxúria".
Logo mais, ele sente no pacote o cheiro de manga, fruta pela qual seu pai era "esganado". E junto com este, lhe vem a lembrança do dia em que seu Ernesto, tentando roubar mangas do cemitério (segundo ele, as melhores que existiam), acaba se esborrachando em cima de uma carroça de flores, diante de parentes e amigos do morto. "Eu olhava para o chão, querendo ser enterrado também, junto com a minha vergonha."
Entre cheiros e imagens, o filho reconstitui, carinhosamente, momentos marcantes vividos com o pai. A técnica de fazer o embrulho, a perfeição do nó no barbante, o cacoete constrangedor que o levava a golpear o ar, cinco a seis vezes ao dia, como a se proteger de um ataque invisível. Sua sede de viver, de acordar todos os dias pensando em fazer algo novo. O costume de contar casos como se tivessem mesmo acontecido. E a sutileza de fabricar, com o máximo de apuro, qual fosse obra de arte, os balões que soltava aos céus em Noite de São João.
Vender rádios, fabricar perfumes, consertar antenas, criar galinhas. Fosse o que fosse, tudo o que Ernesto fazia, era com entusiasmo. E a cada nova empreitada, ânimo renovado. "Era do tipo que recebia um bom-dia como uma homenagem."
Durante a leitura das peripécias de Ernesto e seu filho mais novo, descobrir o que é verdade e o que é imaginação, torna-se desnecessário. Mais importante é entender que o remetente sem nome nada mais é do que a memória filial.
Ao fim desse "quase-romance", o pacote que encerra tantas lembranças, permanece intacto. E, ao que parece, cumpre sua missão, de restabelecer um elo entre pai e filho, uma derradeira aventura, um último segredo.

Quase Memória
Carlos Heitor Cony
Editora: Companhia das Letras
Ano: 1995.
O romance marcou a volta de Carlos Heitor Cony, depois de mais de vinte anos afastado da literatura. Conquistou, em 1996, os prêmios Jabuti de Melhor Romance e de Livro do Ano, pela Câmara Brasileira do Livro.

3 comentários:

  1. Mari,
    Gostei de aqui, virei-me sempre...

    Abraço mineiro,
    Pedro Ramúcio.

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  2. Maria Santos Neves, como faço contacto com vc, por aqui esta impossivel, quero te pedir uma orientação, euripedesantonioalves@gmail.com

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  3. Sou engenheiro Civil, estou escrevendo um livro, quero sua orientação, como te passo email a vc ?, estou em Belo Monte-PA.

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