terça-feira, 15 de março de 2011

Anton Tchékhov, o médico que escrevia.

Considerado o mais atemporal e universal autor da terra de Tchaikovsky, Anton Tchékhov inseriu seu nome entre os maiores da literatura mundial de todos os tempos. E o fez de forma desassombrada, até mesmo modesta. A julgar pelos seus textos escrever, para ele, era tão natural e necessário quanto respirar.
Filho de família pobre, começou a vida adulta como médico – por sinal, muito caridoso e solidário – e logo foi arrebatado pelo talento literário. Durante muito tempo, atendia durante o dia e escrevia à noite. Logo, estaria vivendo de literatura e, juntamente com Dostoiévski, Tolstoi e Gogol , mudou a forma de contar histórias na Rússia da época.
Com sua escrita sincera e afiada, Tchékhov passeava com naturalidade entre os contos e as peças teatrais, destacando-se nos dois gêneros. Fazendo da miséria humana seu principal tema, interpretou como ninguém os sentimentos dos menos favorecidos, descrevendo situações familiares a qualquer pessoa. Seja na Rússia do século XIX ou no Brasil dos dias de hoje.
Brilhante contador de histórias, seu texto era direto, conciso e sem grandes rebuscamentos. Dizia que “quanto mais objetivo, tanto mais forte” e que “a concisão é irmã do talento”.
O livro “Negócio Fracassado e Outros Contos de Humor” é uma boa amostra do tão decantado estilo Tchekhoviano. São 38 contos que formam uma paisagem viva da Rússia da época (1882 a 1887). A cada conto, desfilam personagens variados com histórias tão comoventes quanto hilárias. Merecem sua narrativa os amores não (ou mal) correspondidos, o desejo de ascensão social, a lentidão do serviço público, a corrupção, o casamento por interesse, a ganância, a mediocridade desesperada,  a espantosa idiotia humana.

Em “Uma história terrível” um homem ao chegar em casa, se depara com um caixão “para uma pessoa de estatura mediana" que "a julgar pela cor, destinava-se a uma moça jovem” Além do pavor que a visão desperta, surge um diálogo interior e um duelo com o próprio pânico que ele dividirá com o leitor. “Não me espantaria se o teto tivesse caído, o chão tivesse afundado ou as paredes tivessem desmoronado. Mas como poderia ter surgido no meu quarto um caixão?” Cabe a nós acompanhá-lo nessa divagação.

Em “A Veranista”, Liôlia, "uma loura bonitinha de vinte anos" compara seu passado de estudante com a vida ao lado do  marido "bonito, jovem e formado, respeitado por todos, porém tosco, não lapidado e absurdo como quarenta mil de seus semelhantes, igualmente absurdos”. "Sobre o que ele pensa, Liôlia não consegue saber. O que ela sabe é que, depois de pensar durante duas horas, ele não fica nem um pouquinho mais inteligente e continua a dizer disparates".

Em “A Visita”, acompanhamos o desespero de Zeltérski, que vê a madrugada adentrar sem que sua visita se dê conta de que é hora de partir. “Desde que chegara, logo após o almoço, ele se sentara no divã e não havia se levantado nem uma vez, como se estivesse grudado ali.” Ele tentará de tudo para conseguir seu intento, enquanto a visita indesejável ali permanecerá, impassível. É provável que você tenha ficado curioso em saber o fim dessa e das outras histórias. Fique à vontade, porque a leitura vale a pena.

Se nas histórias de Tchékhov, os personagens são detalhadamente retratados, especialmente do ponto de vista psicológico, no relato das situações ele não se estende além da conta. Seus contos seguem direto ao ponto, com dramaticidade e humor na medida certa. Alguns terminam bruscamente, outros trazem desfechos inesperados. Todos nos levam à reflexão, como se cada um trouxesse uma mensagem a ser extraída. Seriam parábolas? Não exatamente. Tchékhov não censura, não critica comportamentos, ele compreende - e aceita - o ser humano como ele é. Seus contos trazem complexidade, torpeza, sentimentos baixos, comoção, dor, graciosidade, sarcasmo e, arrematando tudo isso, um toque de humor. Seus personagens são tão comuns , tão cotidianamente humanos, que chegam a ser patéticos. Não há romantismo nem inocência. Não há santos, todos apresentam defeitos, alguns condenáveis. A mensagem é: somos todos pecadores. Um Nelson Rodrigues da terra de Tolstoi?
Viveu pouco Tchékhov, morreu aos 44 anos e nunca acreditou muito no próprio talento. Achava que após sua morte, em sete anos, ninguém mais se lembraria dele. 150 anos depois, é reverenciado por sua contribuição à literatura mundial e nunca se falou tanto em sua obra. Nem em um conto de sua autoria, ele teria imaginado um desfecho igual.

 
Um Negócio Fracassado e Outros Contos de Humor.
Tradução do russo e prefácio de Maria Aparecida Botelho Pereira Soares.
L&PM Pocket. 206 páginas.

4 comentários:

  1. Anton e Márika sempre foram gauches. Ele descobriu aos 21 anos, ela aos 46, uma idade em que as mulheres se definem como senhoras elegantes ou velhas gaiteiras.
    Eles se conheceram em uma noite de Lua Azul, casa de praia, o brilho de prata iluminando todo o mar. Vinhos e rosas, novo amor, beijos ao luar, tudo perfeito, o que significa feito estendido para sempre.
    Depois de se banhar nas estrelas e nas galáxias, a princesa e o príncipe se recolhem ao castelo, ao ninho do amor, à casa rústica onde podem, enfim, celebrar a vida sem problemas, sem lembranças de dor, sem cobranças, o futuro livre dos problemas do passado, só o amor como guia e futuro.
    Emocionada, ela cita Salomão e afirma que levará seu novo amor à casa de sua mãe, que seus seios serão como videiras e suas coxas serão como os cedros do Líbano.
    Ele estapeia a perna para matar um pernilongo.
    Ela fala em ter filhos.
    Ele olha para um quadro da Santa Ceia pregado na parede. As figuras se movem.
    Ela chama: vem amor. Eles vão para o quarto, uma cama estreita. Como eles vão poder se lembrar disso no futuro?
    Às três da manhã ele acorda com rumores de conversa, muita gente na sala.
    Abre a porta, entra na sala, e não vê nada nem ouve nada.
    De volta ao quarto, porta fechada, os rumores voltam mais fortes. Falam tanta coisa.
    Ele abre de novo a porta, as conversas e as discussões silenciam.
    Ele dorme ao lado daquela menina linda.
    Anton e Márika não têm a mínima ideia do que está por vir.

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    É com base neste espírito que Lisboa acaba de ganhar um novo Alfarrábio on-line. É o www.livrilusao.com, que vende livros usados e novos.

    No entanto, não queremos ser apenas um alfarrábio a mais. Para além de comprarmos, vendermos e trocarmos livros, buscamos também interagir com todos que queiram trocar ideias connosco sobre livros, artes em geral e tudo o mais relacionado com Cultura.



    Convidamos-te a visitar a nossa página e, se achar interssante, ajudar a divulgá-la, repassando esta mensagem para a sua lista de emails.

    Vamos dar continuidade à aventura dos livros!

    Obrigada,



    Giulia Pizzignacco,

    Livrilusão

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  3. Lembrei-me de "O Palácio de Inverno", de John Boyne, que fala do último czar comparando com a condição em que o povo vivia... Se for ler, começe no sábado pela manhã, ou irá varar a noite lendo... rssss! Gosto muito deste uso de romances para informar sobre os hábitos e tradições de uma época, a exemplo do livro "A aldeia ancestral", que fala de imigrantes chineses que voltam às suas origens...

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