sexta-feira, 13 de maio de 2011

Luta armada, pátria amada. Dossiê Gabeira: o filme que nunca foi feito.

Antes mesmo de chegarmos à primeira página do livro já somos alertados: "Dossiê Gabeira: o filme que nunca foi feito traz revelações surpreendentes sobre uma das mais fascinantes, controvertidas e incomuns trajetórias do cenário político brasileiro". Nele, Fernando Gabeira, ex-guerrilheiro, jornalista, escritor e deputado federal conta, entre outras coisas, sua participação num dos episódios mais dramáticos da política brasileira: o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969. No livro, resultado de seis horas de entrevistas num hotel de Ipanema, fatos que passaram quatro décadas em segredo vem à tona, sob o arguto e competente olhar do jornalista e escritor Geneton de Moraes Neto.
Contado em forma de roteiro cinematográfico, o livro não apenas desvenda os bastidores do seqüestro que resultou na liberação de dezenas de presos políticos, entre os quais, Luís Travassos, Vladimir Palmeira e José Dirceu, mas também recorda os tempos de clandestinidade, a prisão e os anos de exílio terminados num dia de sol, em Ipanema,com a famosa foto de Gabeira com uma sunga de tricô em 1979.
Sincero, honesto, contundente, o relato de Fernando Gabeira, no mínimo, faz pensar. Símbolo da militância no combate à ditadura, autor do livro "O que é isso, companheiro?" que se tornou  “bíblia” de uma geração, um dos líderes do partido Verde e defensor de causas polêmicas como a descriminalização da maconha, recentemente encantou o Brasil quando, dedo em riste, passou um carão no Presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, dizendo que "Vossa Excelência é uma vergonha para o país".
O prefácio de Ignácio de Loyola Brandão sentencia: “Dossiê Gabeira deve figurar nas faculdades de jornalismo na cátedra de como entrevistar.”
Jornalista experiente, Geneton de Moraes, consegue tirar de Gabeira revelações surpreendentes, como por exemplo, a participação do ator Carlos Vereza, simpatizante da esquerda, no disfarce dos integrantes do grupo. Gabeira teve seus cabelos tingidos pelo ator. “Ele sabia quem eu era; só não sabia de minha ligação com a ação.”
Em outro episodio relatado no livro, é perseguido e alvejado nas costas por policiais que descobrem seu paradeiro. "Tinha certeza de que ia morrer." Levado para o Hospital das Clínicas, antes de desmaiar, responde, firme, ao questionamento do médico: - Ocupação? Guerrilheiro.
Transferido para a sede da Operação Bandeirantes, é interrogado (e torturado). Na época o delegado do DOPS era Romeu Tuma. Anos mais tarde, colegas no Congresso, nunca tocaram no assunto. “Nunca mencionei a ele o fato de ter passado por ele naquelas circunstâncias. Nunca. Todos passaram. Lula passou."
Outro fato curioso foram as tentativas frustradas do Senador Antonio Carlos Magalhães para conseguir-lhe um visto de entrada nos Estados Unidos. "Fiquei bastante comovido pois Fernando Henrique Cardoso não faria algo assim. Lula não faria. Nenhum faria”. Quatro décadas depois do seqüestro, Fernando Gabeira ainda não pode pôr os pés em território americano.
Perguntado sobre como vê,  hoje, o guerrilheiro de ontem, não se abstém de análises, críticas e autocríticas sobre os erros e acertos de uma geração que sonhou mudar o Brasil (e o mundo).
“A gente não tinha a grandiloqüência que o comunismo e a revolução traziam. Em termos pessoais e íntimos tínhamos dúvidas sobre aquele processo.”
“As utopias foram sanguinárias porque deram sustento e fundamento teórico para uma série de crimes”.
“Somente no exílio é que foi possível começar todo esse processo. É um processo que não resultou numa apologia do capitalismo mas sim na criação de um espaço crítico que busca a melhoria da sociedade, sem necessariamente se integrar à visão marxista."
Sobre o tão comentado seqüestro, pondera: “O que tenho é uma compreensão detalhada dentro de uma perspectiva histórica sobre o que aconteceu: digo que foi um equívoco. Toda a luta armada foi um equivoco!”
“O problema de qualquer seqüestro é que você seqüestra um símbolo, você traz o símbolo para casa mas quando se estabelece o contato, o símbolo vira uma pessoa”.
A respeito do então presidente Lula, é reticente: “De vez em quando critico Lula. De vez em quando o elogio. Não tenho em relação a Lula, nenhum sentimento especial, de hostilidade nem simpatia.”
Sobre o ex-companheiro José Dirceu: “Nem menciono. Não tenho relações com ele. Hoje trabalha como empresário e consultor. É o destino de todo burocrata comunista. Transformar-se em um grande empresário”.
O antes rebelde e idealista Fernando Gabeira hoje vê com ressalvas a atuação da esquerda na defesa dos direitos humanos: "A esquerda é hábil quando se trata de um desrespeito cometido por um país capitalista, mas quando se trata de um desrespeito em um país socialista, o silêncio baixa.”
Questionado sobre o que diria a um jovem de vinte e poucos anos que quisesse se engajar politicamente, é cuidadoso: “Desconfio de todo velho que diz alguma coisa para um jovem de 20 anos. Há coisas que não adianta dizer: cada um deve vivê-las por si próprio.” Fernando Gabeira é um exemplo disso.

Dossiê Gabeira – o filme que nunca foi feito.
Geneton Moraes Neto, 126 pp., Editora Globo, São Paulo, 2009.

6 comentários:

  1. Mari, sua resenha é muito boa.
    Mas o livro O Que é Isso, Companheiro, também conhecido como O Que é Isso, Maconheiro, nunca foi "bíblia" daquela geração. Foi muito vendido, muito lido, muita gente não gostou. Não criou tendências e nem seguidores. Durou aquele verão.
    Parabéns pelo blog.
    A.

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  2. Olá, A. Muito obrigada pelo comentário! O termo "bíblia" é mesmo um exagero, porém no meio universitário do início dos anos 80, que eu vivi, foi um livro muito lido e comentado. Talvez porque quiséssemos entender uma época que havia sido censurada nos nossos livros de escola. Abraços!

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  3. Belo trabalho! Bravo!
    Como parceira do cinema, convido-a a navegar no blog O Falcão Maltês. Com ele, procuro o deleite cinematográfico.
    Abraços,

    O Falcão Maltês

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  4. Obrigada, Antonio. Passei no seu blog e gostei muito. Como fã de cinema, vou segui-lo.Abçs.

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  5. A sua inteligência me desperta e aguça os sentidos!Que se alonguem os dias, tenho a cada página lida aqui, tanto mais a ler!Parabéns!

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