Com uma capa impactante, que mostra a imagem solitária e cabisbaixa de Joseph Ratzinger sobre fundo preto e um título, no mínimo, instigante, O Homem que não Queria Ser Papa, publicado pouco tempo após a renúncia do pontífice, promete responder à pergunta que não quer calar: - Por que Bento XVI renunciou ao posto mais importante da Igreja Católica, um feito tão inusitado e raro que o último a fazê-lo foi Gregório XII, há mais de sete séculos?
Numa mistura de biografia e relato jornalístico com toques de romance, Andreas Englisch descreve e analisa, em 576 páginas os oito anos de papado de Bento XVII. Mas não se atém a enumerar possíveis motivos da renúncia. Antes, conduz o leitor a um passeio pelo Vaticano, um estado teocrático dentro da cidade de Roma. Também relata fatos ocorridos em outros papados, em especial o do antecessor de Ratzinger, João Paulo II. De quebra, apresenta um painel de como funciona a máquina do Vaticano, especialmente seu departamento de Comunicação e Imprensa.Há mais de vinte anos correspondente internacional, o autor, descreve com bom-humor (e uma pontinha de vaidade) suas peripécias na cobertura de eventos papais. Em certo ponto, nos leva a imaginar que ser repórter no Vaticano é praticamente a mesma coisa que ocupar cargo semelhante no Palácio de Buckingham de Londres ou na Casa Branca, em Washington. Cumpridos os protocolos e exigências, acaba sendo uma atividade jornalística como outra qualquer: cobrir viagens internacionais, participar de coletivas de imprensa, lutar pela melhor foto, a matéria mais impactante ou uma revelação surpreendente. Logo no início do livro acompanhamos o autor em diversas situações no cumprimento do dever: aflito na primeira audiência, sonolento em outra ou muito febril no evento seguinte.
Paralelo à descrição da vida do Papa, suas atividades cotidianas, problemas e desafios, o autor dá uma aula sobre como funciona o Vaticano. E fala – e muito – sobre o antecessor de Bento XVI, o carismático, midiático e amado João Paulo II.Referindo-se ao ex-papa pelo seu nome de batismo, Karol Wojtyla, cita as inúmeras diferenças entre um e outro, no que se refere a comportamento e personalidade. E mostra o quão difícil, desafiador e desgastante foi, para Bento XVI, ocupar o vazio deixado pelo seu antecessor. Um Papa que – como nenhum outro – atraíra olhares do mundo inteiro, independente da crença ou falta dela. Ser o sucessor de um pontífice que conquistou a proeza de agradar a gregos e troianos, russos e americanos, tanto o mundo ocidental quanto o oriental. Que iniciou um diálogo com as outras religiões e seus líderes; e cujo prestígio foi tão grande que se tornou peça fundamental na derrocada do comunismo.
Junte-se a isso o fato de que João Paulo II e Bento XVI eram figuras diametralmente opostas. Um, carismático e sorridente. O outro, circunspecto e sisudo. Um comunicativo e integrado, o outro, um teólogo radical. Um polonês, nascido num país que vergou sobre o peso do III Reich. O outro, um alemão que fez parte da juventude hitlerista (como era comum na época). Uma pecha que Ratzinger carregou durante todo o seu pontificado. Afinal, como o próprio Englisch, que é alemão, reconhece, o mundo ainda não conseguiu perdoar os crimes do nazismo.
Se Karol Wojtyla ficou conhecido como o Papa da Globalização, Bento XVI será lembrado como o Papa tímido, que nunca sabia o que fazer diante das multidões. Em certa feita, em visita oficial à Polônia, caminhou em direção a uma Igreja, sem sequer dirigir um aceno, à multidão que o aclamava. Em outro episódio, na Jordânia, ao passar por um local onde supostamente Jesus teria pisado, nem sequer desceu do veículo.
Descaso? Não. Simplesmente a adoração a lugares ou objetos não condiz com a visão que ele tem do sacerdócio. Como bem define o autor, Ratzinger era um teólogo da Bavária e teria preferido passar a vida inteira rodeado de livros, escrevendo seus artigos e defendendo a Igreja à moda antiga. Jamais imaginara tornar-se um papa.
Prova disso está na revelação do próprio papa de que ao ouvir seu nome ser anunciado no conclave, sentira “como se centenas de lanças tivessem sido cravadas em sua cabeça”. “Certamente” – cita Englisch – “poderia prever o desafio a que seria submetido”. Muitos e graves acontecimentos aos quais deveria prestar contas, como os casos de pedofilia envolvendo bispos e padres, que agora começavam a explodir em toda parte. Ratzinger nada poderia fazer para evitar que o assunto viesse à tona. Fora ele, como cardeal, um dos que mais cobrara do então papa João Paulo II providências para que a sujeira não ficasse escondida. Era ele, agora, como papa, que deveria pôr a mão na ferida.
Um a um, Englisch enumera os escândalos ocorridos no papado de Bento XVI: relatos de orgias homossexuais em seminários religiosos; um assassinato cometido dentro do Vaticano (o chefe da guarda suíça, que faz a segurança do Papa, foi morto junto com sua esposa, supostamente por um membro que cometeu o suicídio em seguida); a descoberta de que um dos mais notórios cardeais era um pedófilo que fez dezenas de vítimas e ainda assim não foi afastado do cargo. Sem contar nas passagens em que fica muito claro que a cúpula do Vaticano jogava contra o papa, deixando –o a mercê de situações constrangedoras, diante de perguntas capciosas de jornalistas.
Homem de letras, intelectual e defensor da Igreja tradicional, Joseph Ratzinger, definitivamente não era um homem talhado para enfrentar multidões ou câmeras de TV. Desconfortável no cargo, ainda assim, ele foi responsável por um dos grandes momentos da Igreja nos últimos anos, quando encarou verdades que seus antecessores nunca assumiram. Foi dele a decisão de ouvir pessoalmente o relato de vítimas de pedofilia na Igreja. Um dos gestos mais humanos de seu papado.
Durante a leitura de "O Homem que Não Queria Ser Papa" nos alternamos entre a admiração ao ex-papa e a irritação com o jornalista-autor.
Ainda que tenha produzido um valioso registro do papado de Bento XVI, Andreas Englisch deixa escapar nas entrelinhas que nunca foi muito fã de Ratzinger, desde os tempos em que ele era cardeal. No entanto, como bom jornalista que é, descreve a humildade e o senso de dever com que ele enfrentou a missão que lhe foi confiada.
Mesmo não respondendo a todas as perguntas e apesar de alguns diálogos rocambolescos, dignos de O Código Da Vinci, este livro tem o mérito de mostrar como o homem Joseph Ratzinger enfrentou o maior desafio de sua vida. E sua coragem de renunciar, quando considerou a cruz pesada demais para um simples “teólogo da Bavária”.O Homem que Não Queria Ser Papa
Andreas Englisch
Universo dos Livros
Olá Maria,
ResponderExcluirPor acaso encontrei seu blog e achei interessante. Estou na divulgação de meu livro O Sofrimento dos Filósofos e gostaria de saber se você pode fazer uma chamada do mesmo no seu blog.
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Jr Fernandes