Do Amor e
Outros Demônios traz todos os ingredientes que compõem uma história de Gabriel Garcia
Márquez. Sim, baseia-se em um acontecimento por ele vivenciado. Sim, utiliza
elementos da mitologia popular. Sim, encerra uma crítica à intolerância
religiosa. E sim, mistura amor e
sofrimento, como se ambos fossem sentimentos indissociáveis.
Nesta obra
publicada pela Editora Record, em 1995, ele narra uma história passada em fins
do século XVIII na Colômbia, então Colônia Espanhola, envolvendo um monge
exorcista e uma menina supostamente possuída pelo demônio.
O livro tem
inspiração numa história real, de seus tempos de repórter em 1949, quando, ao
cobrir a remoção das criptas funerárias de um Convento, depara-se com uma
ossada com cabelos cor de cobre de aproximadamente 22 metros. Recorda-se, então, de uma lenda contada por sua avó sobre uma marquesinha milagreira de longa
cabeleira, que morrera mordida por um cão raivoso. Anos depois, o já famoso
escritor recria a história da menina, brindando-nos com uma dolorosa narrativa
sobre o amor – e seus demônios.
A vida de
Síerva Maria já começou errada, a partir do casamento, forjado por interesse,
do Marquês de Casalduero e sua segunda esposa, Bernarda, que não trouxera
felicidade a nenhum dos cônjuges, seja o marido enganado ou a esposa
ardilosa.
Logo eles
passariam a viver distantes um do outro, tendo ela arranjado inúmeros amantes
na tentativa de encontrar um prazer nunca alcançado. Mas antes que isso
acontecesse, um bebê fora concebido: Síerva Maria de Todos Los Angeles.
Rejeitada pelos pais desde o nascimento – sua mãe a odiou na primeira vez que a
amamentara -, cresceu entre a criadagem negra da casa, recebendo deles o nome
de Maria Mandinga e sendo iniciada nos ritos africanos. Com seus colares de
contas dos orixás e uma longa cabeleira ruiva que lhe pendia aos pés como um
vestido de noiva, a menina não parecia ser deste mundo.
Quando, aos
12 anos, Síerva Maria foi mordida por um cão, cria-se a suspeita, segundo a
crendice da época, de que acabaria possuída por demônios. O pai, com remorsos,
cai de amores pela menina, que, criada sem carinho, recebe a aproximação com
desconfiança. Procurando ajuda na ciência e no curandeirismo para salvar a
filha, ele chega à casa do médico mais
famoso da região, Abrenúncio de Sá Pereira Cão (personagem dos mais instigantes
da obra). Ateu convicto de alma generosa, o médico afirma que Sierva Maria não
tinha sintomas de raiva, mas sim, de falta de amor. Note-se aí a comparação sugerida
pelo autor entre raiva- doença e a raiva- sentimento, da mesma forma como ele irá
associar mais à frente os sinais da possessão demoníaca com sintomas da paixão.
Encaminhada ao Convento de Santa Clara para ser tratada por “obreiros”
de Deus, percebe-se o fanatismo e as arbitrariedades da Igreja de então,
expostos por Márquez na forma com que a menina é (mal) acolhida no lugar que
deveria salvá-la.. Demoram a notar sua presença, e quando o fazem, é para considerar
seus estranhos hábitos, seus colares africanos, seu conhecimento do idioma
ioruba e sua força incomum, atribuindo a estes um sinal do demônio – tem se
medo daquilo que de desconhece.
Encerrada
numa cela escura, sem contato com o mundo, a menina é banhada com água benta e
esfregada até aumentar as feridas. Logo sua cela estará coberta de excrementos
e seus cabelos, de piolhos. Como profetizara Abrenúncio, o abandono e os maus
tratos é que acabariam por torná-la irrecuperável.
Para investigar
o caso, chega ao convento o jovem Padre Cayetano Delaura, um literato de 36
anos. Na primeira tentativa de exorcismo, ele encontra uma menina enfurecida vociferando
em dialeto desconhecido. Retorna ao bispo afirmando ser aquilo – “um demônio,
meu pai, e dos mais terríveis”. Logo, porém, ele já estará encantado pela
menina. Será este o verdadeiro demônio que ele irá enfrentar, com todas as
vicissitudes, vícios, fraquezas e maravilhas.
Os demônios que habitavam Síerva Maria e alcançaram o Padre Delaura tinham um nome: amor.
R.I.P, Gabo. 17-04-2014
Os demônios que habitavam Síerva Maria e alcançaram o Padre Delaura tinham um nome: amor.
R.I.P, Gabo. 17-04-2014
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