segunda-feira, 13 de junho de 2011

Um poeta, várias pessoas.



Ele era solitário por natureza, tímido e reservado. Pouco saiu de sua terra natal, Lisboa, mas sua obra ganhou o mundo, principalmente após sua morte. Profícuo e brilhante, Fernando Pessoa (1888-1935) é considerado o maior poeta português depois de Camões. Publicou seu primeiro texto em prosa criativa, em 1913, e até sua morte, não deixou de produzir, tendo deixado poemas inéditos. Respeitado em Lisboa como intelectual e poeta, publicou seu trabalho em revistas, muitas das quais ele mesmo ajudou a fundar e dirigir, mas sua genialidade só foi compreendida e plenamente reconhecida após sua morte. Ninguém fazia ideia da qualidade da obra existente no grande baú onde ele guardava tudo o que escrevia.

Com uma sensibilidade que não cabia dentro de si, Fernando Pessoa desmembrava-se em muitos. Eram os chamados heterônimos. Diferente dos pseudônimos, que são nomes diferentes para um autor, os heterônimos constituíam-se em várias pessoas em um único poeta. Cada um deles, com sua própria biografia, temática poética e estilo. Segundo ele, “por qualquer motivo temperamental que me não proponho analisar, nem importa que analise, construí dentro de mim várias personagens distintas entre si e de mim, personagens essas a que atribuí poemas vários que não são como eu, nos meus sentimentos e idéias, os escreveria”.

Os principais heterônimos de Fernando Pessoa são:

- Alberto Caeiro - o mais objetivo. Busca "as sensações das coisas tais como são". É o antípoda de Fernando Pessoa, a negação do mistério, do oculto. Usa linguagem simples, direta e com a naturalidade do discurso oral.
- Ricardo Reis - representa a vertente clássica ou neoclássica da criação de Fernando Pessoa. Linguagem contida e disciplinada, versos curtos, tendendo ao formalismo.
- Álvaro de Campos -o lado "moderno" do poeta, caracterizado por uma vontade de conquista, um amor à civilização e ao progresso e com linguagem de tom irreverente.
Sejam quantas pessoas existam dentro de Pessoa, o importante é sorver com vagareza seus tão intensos poemas, que traduzem o que todo ser humano poderá sentir, seja num único momento ou em toda uma vida.
Em um dos mais famosos, que não por acaso se intitula Autopsicografia, ele afirma:

“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente”.

Uma dor que, certamente, Fernando Pessoa carregou a vida inteira.

(123º aniversário do poeta português Fernando Pessoa)

7 comentários:

  1. Que linda homenagem, Mari! sou louca por este poeta maluco, e hoje também dediquei algumas palavras a ele no blog. Mas tudo muito pequeno diante de tanta grandeza de inteligência e sensibilidade.

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  2. Olá

    Venho do nada e o nada é meu destino.
    No primeiro instante entre um ponto e outro
    estou defronte a uma tabuleta onde se lê:
    Tabacaria.
    À minha frente um senhor de óculos e bigodes
    escreve sobre mesa de pau e fuma
    um charuto como quem fuma a vida.

    Passo um tempo sem saber se ele me desconhece
    ou me despreza.
    Mas sou criança e digo
    olá, guardador de rebanhos,
    cheguei agora, tudo é novo,
    e tenho o pasmo inicial de quem vê
    o mundo pela primeira vez.

    Ainda ssim o mundo parece antigo
    vejo as barbas da eternidade no balanço
    das dobradiças da tabuleta
    e seu ranger
    é a mesma canção do mesmo vento
    que soprava sobre as avenas
    que tocavam os pastores de Vírgílio.

    Mas a canção tão antiga
    mantém sempre o seu frescor,
    assim como o vento que carrega
    seus aromas sempre novos,
    e o mundo nunca envelhece.
    Nós é que passamos,
    da criança de agora há pouco
    balançamdo-se feito a tabuleta
    ao senhor encanecido em instantes
    a ranger seus ferros.

    Ele, o olhar grave e a voz leve
    leve muito leve diz:
    - De que serve tanto tempo e tempo nenhum
    para que tanta filosofia se basta
    a simplicidade das flores e dos regatos?

    E ele, com o olhar por sobre os óculos,
    pergunta com voz grave e olhos leves:
    - Quem é você que atravessa o tempo?
    Eu digo sou só um menino aloisio, você é o alberto?

    Ele bate a cinza do charuto e diz:
    -Não sou alberto. Sou Pessoa.

    Eu peço desculpas.
    Ele diz: - Não foi nada.

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  3. Olá, Mari!

    Muito bom seu post...
    Estou tendo problemas em comentar aqui, mas está acontecendo também no meu blog...
    Grande abraço...

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  4. Voltei por que você é uma das poucas que como eu já leu A Casa dos Budas Ditosos... O que achou? Eu acho que ele alcançou o objetivo a que se propunha...
    Beijos

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  5. Oi, Cris! Que legal isso. Eu realmente li A Casa dos Budas Ditosos, mas foi há muito tempo. Nossa!! Do que eu me lembro era um texto ironico, mais voltado para o humor, o sarcasmo,não tanto para o lado sensual. Era da Coleção dos 7 Pecados Capitais, não? Érico Veríssimo, por exemplo,escreveu sobre a Gula. Qual você acha que seria o objetivo do João Ubaldo no livro? Beijos.

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  6. Alberto Caeiro foi por quem me apaixonei... Seu jeito de quem mais que olhar, se transforma e passa a ser o que observa tornaram minhas manhãs mais coloridas!Eu que sempre gostava de escrever cartas com perfume de sabonetes e flores, enriquecia meus textos com os encantos de Drummond, Caeiro, Quintana, Agatha...Eu queria dividir o que me tocava a alma!Me delicio com a oportunidade que vc me dá de aqui de encontrar textos tão bem escritos e uma certeza:Quero ler ou reler tudo o que vc tão gracioasamente me apresenta ou traz de volta da minha infância que nunca terminou, porque coexiste dentro de mim! Obrigada!!!!

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  7. Obrigada a você, Dani, porque o bom é poder trocar ideias sobre esses livros tão maravilhosos. Conheço pouco ainda do Fernando Pessoa. E acho que de todos os Pessoas, o Alberto Caeiro é o mais passional, penso eu. Abraços.

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