Ele não tinha nem
seis anos de idade, quando Maysa, a musa dos olhos verdes da música brasileira,
se dirigiu para a morte, no dia 22 de janeiro de 1977, a bordo de sua Brasília
azul, na Ponte Rio Niterói. Ainda assim, o jornalista capixaba José Roberto
Santos Neves aceitou o desafio de contar a história de uma das maiores cantoras
que o país já produziu.
Dona de uma voz
grave e rascante, Maysa cantou como ninguém a dor e a delícia de ser o que é
(bem antes do famoso verso de Caetano Veloso).
Inicialmente o
livro "Maysa" fez parte da coleção Grandes
Nomes do Espírito Santo, organizada por Antônio Pádua Gurgel, que reúne
biografias de personalidades ligadas à história do estado. Mas o autor gostou
tanto da experiência que lançou uma segunda edição em 2008, repaginada e
reabastecida de informações que ele alinhava com o respeito e o cuidado de quem
aprendeu a admirar ainda mais Maysa, à medida que desvendava sua história,
repleta de emoção, entrega, paixão e dor.
No livro, José
Roberto conta como Maysa, sendo filha de família ilustre capixaba (seu
avô foi o Barão de Monjardim e seu pai, Alcebíades Monjardim, foi deputado
estadual e federal), acabou indo nascer em Botafogo, Rio de Janeiro, no ano de
1936, onde viviam os avós maternos. E pelas mãos de uma parteira, como era
comum na época.
Sempre com foco no
ES, ele revela que Maysa viveu o primeiro ano na capital do estado, Vitória,
mudando-se com a família para Bauru, no interior de São Paulo, quando seu pai é
convidado por Getúlio Vargas para exercer o cargo de Fiscal do Imposto do Consumo.
Em São Paulo, a
casa de Maysa respirava música. Além da tia Lia, que tocava piano e a ensinou a
dedilhar o instrumento, sua mãe era amiga de Elizeth Cardoso, que se tornaria
sua inspiração. E seu pai, amigo de Sílvio Caldas, com quem a menina aprendeu os
primeiros acordes de violão.
Mesmo morando fora,
as raízes capixabas são mantidas e a família continua a passar o verão em
Vitória, na casa de parentes. Dessa época, vem a convivência intensa com o
primo Jayme Figueira, cujo depoimento é valioso no conteúdo do livro.
Segundo José
Roberto, a vida de Maysa dá uma guinada logo no fim da adolescência quando
conhece o empresário André Matarazzo, 18 anos mais velho, rico e influente. Ao
se casarem, em 1954, ela tinha apenas 18 anos, e a cerimônia foi tão concorrida
quanto um casamento de celebridades. Dois anos depois, nasce seu primeiro e
único filho, Jayminho, que se tornaria o reconhecido diretor de novelas Jayme
Monjardim.
O casamento começa
a dar sinais de desgaste. Maysa, apaixonada pela música, passa a se apresentar,
timidamente, em eventos fechados, até que – como era de se esperar, por seu
alcance vocal - surge o convite para
gravar um disco. A rigidez de André, que não via
com bons olhos o desejo da esposa de cantar profissionalmente, e o peso do nome
Matarazzo tornam-se empecilhos para a carreira. Para gravar seu primeiro
LP, "Convite para ouvir Maysa", o marido exige que ela
não use o sobrenome e que a renda seja revertida para fins beneficentes. Mal
sabia ele que estava ajudando a lançar um nome que o Brasil jamais esqueceria.
Em pouco tempo, a
bela moça mergulhou na carreira artística, conquistando bem mais que o público
familiar, atraindo os olhos e ouvidos dos críticos e encantando o país. A
carreira vai de vento em popa. Já o casamento, naufragava.
“No segundo
semestre de 1957, convidada para apresentar um programa na TV Rio, Maysa disse
ao pai que não voltaria mais para São Paulo, nem para o marido. Alcebíades a
entendeu. André, nem tanto. Ele foi ao Rio várias vezes tentar a reconciliação.
Mas Maysa estava decidida.”
Com a separação,
Jayminho é criado pelos avós maternos, já que a mãe viajava muito a trabalho.
Maysa passa a enfrentar o grande inimigo de sua vida: o alcoolismo. Com
tendência a engordar, começa a tomar moderadores de apetite, que, combinados
com doses de uísque, a deixavam alucinada. Se a mistura já era perigosa, a
personalidade forte de Maysa apimentava ainda mais seus efeitos. Desbocada,
irônica e voluntariosa, ela se entrega de corpo e alma, à música e às paixões.
Ela mesma admitiria, segundo José Roberto, que entre 1958 e 1972 sua vida
se tornaria “um pileque só”.
“A bebedeira a
levava a tomar atitudes extremas como volta e meia atirar um sapato, copo ou
microfone na cabeça das pessoas que conversavam mais alto nas boates onde ela
se apresentava”. Bem mais radical que João Gilberto.
Estrelando o
programa Encontro com Maysa, na Record, o sucesso da cantora não se refletia em
seu estado de espírito.
“Compus muitas
musicas e devo ter gravado umas cinquenta. Elas sempre refletiam meu estado de
alma, minha tristeza e solidão. Nunca consegui compor nada alegre”.
Quando a Bossa Nova
chegou, arrebatando corações, Maysa até flertou com o ritmo, mas estava mesmo
encantada com a dupla Tom e Vinicius. Segundo José Roberto Santos Neves,
entre as 24 gravações de “Eu sei que vou te amar” está a dela,
no LP Maysa é Maysa... É Maysa... É Maysa, de 1959.
No mesmo ano,
sairia o quarto LP, com músicas como "Exaltação do Amor", de
Tom e Vinicius e Noite de Paz, de Dolores Duran, que viria a
falecer naquele ano.
A carreira de Maysa
seguiu em altos e baixos, confundindo-se com sua vida. Dentre seus grandes
amores estão Ronaldo Bôscoli e Carlos Alberto. Com o primeiro, viveu um amor
entre tapas e beijos, com direito a muitos barracos. Com o segundo, afirmava
ser uma paixão de outras vidas. Entre um e outro, casa-se com o empresário
Miguel Azanza e decide morar fora do país, tentando uma carreira internacional.
A temporada no exterior não dura mais que três anos. Nem o casamento.
Está tudo contado
no livro de José Roberto, que foi o primeiro a lançar uma biografia da cantora,
reabrindo o interesse sobre sua vida e obra. Depois dele, vieram outros ótimos
livros sobre a musa, de quem Manoel bandeira escreveu – "Maysa são dois
olhos e uma boca".
Para compor um
retrato da bela cantora, José Roberto colheu depoimentos de amigos próximos
como Roberto Menescal, Ricardo Cravo Alvim e Sergios Sarkis, e de membros da
família, como o primo e grande amigo Jayme Figueira, além de consultar obras
como “Eu e elas”, a autobiografia de Ronaldo Bôscoli e “Chega de
Saudade” (Ruy Castro).
Autora de canções
como “Ouça” e “Meu Mundo Caiu”, Maysa foi
intérprete memorável de músicas como “Se todos fossem iguais a você” e “Ne
me quite pas”. Em cada gravação, deixou sua marca registrada – a emoção à
flor da pele.
São incontáveis e
divertidas (ou não) as histórias de seus porres homéricos, barracos e
confusões. Mas Maysa seguramente foi muito mais do que isso – e por trás da
aparência agressiva, havia uma mulher carente. Incompreendida, talvez. Sofrida,
certamente. Mas inegavelmente uma das maiores – senão a maior voz que o Brasil
viu nascer.
No livro, que traz
na capa uma arte de seus belos olhos, José Roberto Santos Neves traz um
aperitivo para quem quer conhecer mais sobre a mulher Maysa. Porque a cantora
dispensa apresentações.
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