Há autores que
nos fazem pensar, questionar, debater. Há autores que nos fazem sonhar,
romancear. E há outros ainda que nos emocionam até as lágrimas. Seja qual for o
gênero, o que importa é o quilate da literatura. Mario Prata é desses autores
que nos deixam de alma leve, com suas crônicas espirituosas e seu humor
sagaz.
Ele não tem
pudor de fazer os comentários mais estapafúrdios, de cara lavada, nem de se
expor de calças curtas e rir de si mesmo.
Esse desprendimento está presente
em “Minhas Tudo”, publicado pela Objetiva em 2001.
Nesse divertido
livro de crônicas, Prata faz um “inventário de si mesmo”, enumerando seu
cotidiano através de objetos pessoais, seja um indiscreto criado mudo, um
colchão usado ou um velho exemplar de Dostoiévski “nunca lido”.
São dezenas de
crônicas sobre os mais insólitos objetos e situações, o que permite que o livro
seja folheado ao acaso, sem ordem cronológica, assim como são as histórias. No
desencadear das ideias, cada texto traz em negrito a palavra que dará
origem ao tema da crônica seguinte.
O autor incorpora com precisão o dom que todo cronista tem de narrar o cotidiano, com um olhar
que todos possuímos, mas que só ele traduz em palavras. Muito do que o Prata escreve possivelmente
já passou pela nossa cabeça, mas ninguém melhor do que ele para narrar situações
triviais com o charme despretensioso dos que não se levam a sério. Um representante legitimo das pessoas comuns.
Em "Minhas
Tudo", entre outras hilárias situações, ele descreve a saga de um velho
exemplar de “Obras Completas de Dostoiévski, Volume Quatro”. Um livro
“viajadíssimo” que ele carrega pra todo lado: Alemanha, em 1978. Cuba, em 89. E África, de 90 a 91 -, sem jamais ter lido uma
linha sequer para saber “qual o bode dos irmãos russos”. Com uma
ressalva: as duas primeiras páginas, fabricadas com folhas de seda fininha,
serviram para atividades menos literárias. Ele revela, na cara dura, que pode não ter lido, mas fumou Dostoiévski.
Com a mesma
presença de espírito, lá vai o Mario registrar a conversa que teve certo dia
com um vírus, alojado em seu computador. E o que esse vírus tinha de diferente
dos demais? Pasmem: ele não só
tumultuava e ameaçava a integridade dos arquivos, como também a do próprio autor.
“- Você tem
certeza que quer salvar este documento?”
“- Tenho”.
“- Absoluta? Tá
uma merda.”
E a conversa se
estende a ponto de o autor sonhar com a volta de sua velha Lettera 22.
Mais à frente, o
cronista exaltará a importância de uma parte esquecida de nossa anatomia: o
joelho, “essa palavra feia, que proporciona rimas fáceis e deselegantes”. Num
quarto frio do Uruguai ele se dá conta da existência de seu joelho, que “sabe
que lá fora está zero grau. E sofre, coitado.” Seguem-se as
elucubrações pratianas sobre a serventia do dito cujo – “Experimente
fazer xixi com a perna um pouco esticada” ou “Se o sabonete cai no chão na hora
do banho, esqueça.” “Mas a dificuldade maior é para se fazer amor, sem a
colaboração total e imprescindível do joelho. É ele quem engata a
primeira, e ele quem gira para uma marcha a ré mais arriscada.”
Na lista de assuntos do Prata não falta o constrangimento
de, durante a mudança para um apartamento novo, ver a gaveta de seu criado mudo
se abrir, por acidente, deixando cair no hall do prédio e à vista dos futuros
vizinhos, detalhes indiscretos de sua vida. Voaram pelo chão revistas Playboys, camisinhas,
um par de brincos dourados, duas pilhas Duracell e um tubo de Redoxon, entre
outros apetrechos. O “indecente móvel”
que ele considerava mudo, entregou em poucos segundos cinco anos de sua vida.
E quem melhor do
que o Mario para analisar a utilidade de uma fila?
Contemporiza ele
que “uma fila de banco é diferente de uma fila de padaria. Uma fila de campo de
futebol não tem nada a ver com a fila do supermercado”.
“A pior fila, no
consenso geral, é a fila do banco. Sim, você começa a sofrer com ela no dia
anterior. Amanhã eu vou ter que ir ao banco. E você já dorme com a fila na
cabeça(..). Ninguém esta feliz numa fila de banco ja notou? O sujeito ja chega
sofrendo”. E não é que o Prata tem razão?
“Mas o pior na fila do banco é que a
gente que está mais atrás, olha a quantidade de papelzinho que o da
frente tem na mão e logo pensa: isso vai longe.”
Mineiro de Uberaba,
Mario Prata escreve como quem divaga, de cerveja na mão num sábado à tarde. Não
é o que ele escreve, mas a forma como o faz que o torna cativante. Tem se
a impressão de que ele é o primeiro a gargalhar de seus próprios escritos.
Posso imaginá-lo fazendo pausas diante de um texto inacabado explodindo num
riso solto antes de retomar a seriedade do oficio de escritor. Porque esse
camarada, definitivamente, sabe rir de si mesmo tanto, quanto parece rir da
vida.
Aconchegue-se
no sofá ou na sua poltrona favorita e prepare-se para boas
risadas. Acompanhe Mario falando de corpo, de umbigo, de aeromoça, de
carteira e o que mais vier à cabeça. É muito provável que você feche o livro
com a sensação de ter tido uma conversa leve com o vizinho ali do lado.
Porque antes
de ser um escritor ágil, certeiro e criativo, o Mario Prata é isso mesmo: o
vizinho ali do lado.
Minhas Tudo
Autor: Mario Prata
Editora Objetiva
Ano: 2001
Número de páginas: 224
Nunca li as crônicas do Mario Prata, mas tenho uma vontade enorme. Inclusive, li recentemente o livro "Nu, de botas", do filho dele, e achei incrível, daí me falaram que eu preciso ler o pai. Vontade não falta! =)
ResponderExcluirBeijos, Livro Lab
O Prata pai (rs) é muito bom. Não conheço o filho, mas já ouvi falar. Leia, por exemplo, "Minhas Mulheres e Meus Homens". É divertidíssimo. Abs.
ExcluirAmo de paixão. Leio sempre nas reuniões que faço pra descontrair.
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