sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Noites Tropicais. Solos, improvisos e memórias musicais (Nelson Motta)


Em 1958, Nelson Motta tinha apenas 14 anos, quando ouviu pela primeira vez num radinho de pilha, João Gilberto cantar Chega de Saudade. "Foi como um raio. Aquilo era diferente de tudo que eu já tinha ouvido." E o menino que só gostava de ler, escrever, ouvir e contar histórias viu a música entrar em sua vida "para sempre". 
Décadas depois, ele destila um conhecimento sobre fatos, estrelas e mitos do mundo da música brasileira, inversamente proporcional ao seus 1,67m. E parece ter estado presente exatamente na hora e no local onde tudo aconteceu nos últimos 50 anos. 

Viu nascer a Bossa Nova, o Tropicalismo, a Jovem Guarda, tomou drinques com Vinícius, namorou Elis, participou dos famosos Festivais da Canção, foi íntimo de Tim Maia, comandou a lendária discoteca Dancin´Days, criou trilhas para novelas da Rede Globo (quem não lembra da introdução grudenta "Abra suas asas...Solte suas feras..."?) e deu a maior força para o rock brasileiro. Isso pra ficar só num resumo da produção desse compositor, crítico musical, produtor artístico, revelador de talentos e por aí vai. 
Essa capacidade de estar presente onde tudo acontece (o lugar certo na hora certa) fez dele uma testemunha ocular de fatos relevantes em nosso cenário musical, que ele conta com bom-humor e elegância em "Noites Tropicais. Solos, improvisos e memórias musicais", lançado em 2000 pela Editora Objetiva. 
Enriquecido por belas fotos em preto e branco, o livro é uma espécie de guia para o leitor que quer saber quem é quem nesse segmento onde o Brasil, país do futebol também é um verdadeiro craque. 
Da primeira à última página, qual um show que não pode parar, ele conta tudo que viu, ouviu e produziu em quase meio século, usando sua posição privilegiada para apresentar, um a um, quem fez história no fértil terreno musical do país.

Entre outros (muitos outros) assuntos ficamos sabendo como Carlos Imperial, de chinelos e camisa havaiana, um belo dia chamou ao palco do seu programa "Clube do Rock", que comandava na extinta TV Tupi, um conterrâneo capixaba, que "imitava escancaradamente João Gilberto". Seu nome? Roberto Carlos. 



Acompanhamos o surgimento de uma moça baixinha que cantava abrindo os braços, com um "horrendo capacete de laquê". O que não importava muito, pois, aos 18 anos, Elis Regina já cantava "uma barbaridade".
Passamos pelos Festivais da Record, que lançaram nomes como Chico, Caetano, Gil, Elis e Geraldo Vandré. Caetano já estava ficando famoso por sua participação no programa "Essa noite se improvisa", quando encanta o público com sua sonora e "caleidoscópica" Alegria Alegria. Que, como lembra Nelson Motta, "não falava de alegria e sim de liberdade".
Gil , acompanhado pelos alegres e anárquicos Mutantes - a então lourinha Rita Lee e os irmãos Arnaldo e Sergio Antunes - atraem aplausos pela "cinematográfica" Domingo no Parque. E  Chico Buarque, com seu ar de bom moço é ovacionado por sua girante "Roda Viva". Pouco tempo depois, Chico driblaria a censura inúmeras vezes com versos cada vez mais politizados nos anos negros da ditadura. 
Mas, como relata Nelson Motta, o Festival também fez história com as vaias da multidão, que feriam quase mortalmente jovens artistas em busca de seu lugar ao sol, como o próprio Caetano que não conseguiu seguir adiante com sua amalucada "É proibido proibir". E é claro, Sergio Ricardo que, recebendo do auditório uma ensurdecedora vaia por sua "Beto bom de bola" (que o público detestara), não apenas desistiu de cantá-la como destruiu o violão no palco e o lançou em direção à plateia: "Vocês venceram".
Mas o show tem que continuar e nas páginas seguintes descobrimos o homem espetáculo Simonal que hipnotizava o auditório nos programas de TV com músicas dançantes tropicalíssimas. Ele conquistará um país inteiro até que -num momento delicadíssimo da história do pais - será irremediavelmente acusado de dedo-duro e amigo da ditadura. De uma fama meteórica, acabou falecendo, anos depois, quase no ostracismo.


Completamente apolítico, o debochado Tim Maia envolverá legiões de fãs com seu suingue irresistível. E os festivais universitários revelarão compositores "cabeça" como Ivan Lins, Aldyr Blanc e Gonzaguinha.
Sempre pelos olhos de Nelson Motta, vemos a agora ruiva Rita Lee sair dos Mutantes para criar sua própria banda, a Tutty Frutty. Isso, anos antes de conhecer Roberto Carvalho, sua cara metade.
Mais adiante, presenciamos o nascimento do colorido rock brasuca da Blitz, dos Titãs  e dos Paralamas do Sucesso. Sem falar no Legião Urbana, capitaneados pelo genial Renato Russo. 
Está tudo lá, contado tim-tim por tim-tim por um baixinho que sabe muito bem do que está falando. Não é que Nelson Motta seja um gênio musical, nem mesmo um mestre das palavras. Mas escreve com graça e de forma tão divertida e entusiasmada que é difícil desgrudar do livro, que tem projeto gráfico agradável, assinado por Luiz Stein, e é recheado de fotos históricas.
No fim dessa viagem musical, já é 1992 e o Brasil está em pleno processo de impeachment. Nelson Motta então se veste preto e, no calçadão de Ipanema, junta-se a um mar de gente "de luto" gritando pela saída de Fernando Collor de Mello. Horas depois, embarca para Nova York "para começar tudo de novo". Aplausos.

Noites Tropicais 
Nelson Motta
Editora Objetiva
464 páginas

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