Parafraseando conhecida expressão, se Dom Pedro I
não tivesse existido, algum autor imaginativo o teria inventado. Uma das
personalidades mais marcantes da história do Brasil, ele é o personagem dos
sonhos de muito ficcionista. Com uma vida recheada de fatos pitorescos,
incluindo um histórico Grito do Ipiranga, alguns atos louváveis e muitas
trapalhadas, suas atitudes combinam toques de canalhice escancarada, charme de
conquistador barato e sensibilidade de pai afetuoso de incontáveis filhos - legítimos
ou não. E como se não bastasse tudo isso, foi o elo mais forte de um dos mais
conturbados triângulos amorosos de que se tem notícia em terras tupiniquins.
O exaustivamente comentado romance com Domitila de
Castro, a Marquesa de Santos, ganha novas luzes com o livro “Titília e o
Demonão – Cartas Inéditas de D. Pedro I à Marquesa de Santos”, de Paulo
Rezzuti, publicado em 2011 pela Geração Editorial. Nele, o autor acrescenta aos já
conhecidos relatos do tórrido affair, mais 94 cartas íntimas do Imperador
destinadas à sua mais famosa amante. Descobertas pelo pesquisador em um museu
dos Estados Unidos, essas missivas apimentam ainda mais as histórias sobre a
avassaladora paixão que balançou as estruturas da Corte no Brasil e fez
história dentro da História do país.
Transcritas e corrigidas levemente em sua grafia e
pontuação, de forma a facilitar a compreensão, as cartas não são datadas, mas
foram dispostas de acordo com os fatos cronológicos, graças a uma cuidadosa pesquisa
do autor. Por meio delas, descobrimos não apenas o amante, por vezes apaixonado
e suplicante, mas também um pai desvelado dos filhos que teve, tanto com a
esposa - a Imperatriz Leopoldina, quanto com Domitila. Há nas mensagens,
pinceladas sobre acontecimentos da época, citações sobre personagens importantes
da cena imperial, bem como a exposição de preocupações do Imperador com os
rumos daquela que ele chama de “nossa Pátria”.
Em certas cartas e bilhetes contidos no livro, nada
sugere que seu portador seja tão célebre figura, mas sim, um homem comum,
preocupado com a saúde da amada e dos filhos: “Desejo, pelo muito que me
interesso pela sua saúde, (que) me mande dizer como passou do seu incômodo da
cabeça, e juntamente como passou nossa Belinha, que de mecê será inseparável
até ter idade de aprender, e mecê querer.” (Carta 9)
“Manda-me dizer como passaste o resto da noite e se
não te fez mal o frio do chão nos pés.” (Carta 57)
Em outras, busca acalmar os ânimos da amante
ciumenta: “Se o amor que temos um ao
outro é verdadeiro, devemos perdoar suspeitas mal fundadas ou, por outra, ciúmes
vagos sem fundamento” (Carta 38)
O Imperador |
Em algumas missivas, assinadas como “O Demonão”, “O
Imperador” ou mesmo “O anônimo”, Dom Pedro elabora artimanhas para que possam
se encontrar, o que se mostra irrelevante, já que o caso, que durou sete anos,
nunca foi mantido em segredo, a ponto de o Imperador ter trazido Domitila (e
vários membros de sua família) para morar na Corte e tê-la nomeado dama de
companhia da Imperatriz: “Manda, filha, fazer a porta, e até ela ficar pronta
irei entrando pelo portão de costume, por onde hei de visitar hoje às dez horas
querendo tu, o que espero, pois não quererás dar cabo deste teu filho com mais
essa provação de me proibir lá ir” (Carta 66).
“Até à noite,
que conversaremos, e nos apalparemos por dentro e por fora” (Carta 23).
“Adeus, minha filha, no Teatro nos veremos e depois
terá o gosto de te abraçar este teu filho, amigo, amante fiel e constante
desvelado, agradecido e verdadeiro O Imperador” (carta 57).
Embora de conteúdo quase sempre romântico, não
faltam nas mensagens citações à Pátria que Dom Pedro escolheu como sua: “Sonhei
alguns sonhos que me mortificaram, todos relativos a nossa Pátria, à qual
desejamos sumas venturas”.
As 94 cartas de Pedro para Domitila, além de outras
escritas por esta para o amante expõem também detalhes prosaicos como troca de
presentes, frutas e flores. Relatos sobre a saúde de um ou de outro ou briguinhas
comuns de um casal incomum.
Ao contrário do que se possa imaginar, “Titila e o Demonão”
não serve de material para quem deseja apenas bisbilhotar detalhes picantes sobre
um casal de celebridades (tão em voga neste início de século). Mas é enriquecido
de informações relevantes, apresentadas pelo autor no texto introdutório e em
notas ao pé da página, que elucidam fatos e nomeiam personagens citados nas
missivas, para que possamos entender melhor seu conteúdo. De certa forma,
humaniza a figura histórica. E redime a mulher Domitila, que, antes de conhecer
o Imperador fora casada com um alferes violento, que a esfaqueara por ciúmes
(num episódio mal explicado).
Titília na época do romance |
Através das notas de Rezutti ficamos sabendo, por
exemplo, que a Imperatriz Leopoldina amargava a humilhação de ser traída
publicamente. Que o Imperador teve com Domitila cinco
filhos, dos quais apenas duas meninas sobreviveram. A primeira, Belinha foi
criada na Europa e agraciada com o título de Duquesa de Goiás. A outra menina, Maria Isabel II, nasceu em São Paulo
em 1830, quando já estavam separados. Também somos informados de que o
Imperador teve com Domitila um filho chamado Pedro, que nasceu poucos dias após
o oficial, Pedro II. O menino faleceu antes de completar um ano de idade.
Após a morte da Imperatriz Leopoldina, Dom Pedro
solicitou que encontrassem para ele uma esposa na corte europeia. E para conter
os comentários sobre sua fama de conquistador, achou por bem afastar Titília da
Corte no Brasil. Ordem acatada por esta, muito a contragosto.
Em maio de 1829, o Imperador despediu-se
de Titilia:
“Eu te amo; mas mais amo a minha
reputação agora também estabelecida na Europa inteira pelo procedimento
regular. [...] Tu não hás de querer a minha ruína nem a ruína de teu e meu País
e, assim, visto isto além das mais razões me faz novamente protestar-te o meu
amor; mas ao mesmo tempo dizer-te que não posso lá ir”.
Domitila retornou a São Paulo, com a
quantia de 300 contos de réis em apólices, além da garantia de um conto de réis
mensal.
Em carta ela despede-se do ilustre
amante:
“Eu parto esta madrugada e seja-me
permitido ainda esta vez beijar as mãos de V. Majestade por meio desta, já que
os meus infortúnios, e a minha má estrela, me roubaram o prazer de fazer
pessoalmente. Pedirei constantemente ao céu que prospere e faça venturoso ao
meu Imperador enquanto a Marquesa de Santos, Senhor, pede por último a V. M.
que, esquecendo como ela tantos desgostos, se lembre só mesmo, a despeito das
intrigas, que ela em qualquer parte que esteja saberá conservar dignamente o
lugar a que V. M. a elevou assim como ela só se lembrará do muito que deve a V.
M. Que Deus vigie e proteja como todos precisamos.”
Marquesa de Santos”
Marquesa de Santos”
Domitila aos 68 anos |
Dom Pedro I casou-se com a duquesa
austríaca Amélia de Beauharnais, duquesa de
Leuchtenberg, pertencente aos Habsburgos, uma das dinastias mais importantes da
Europa. Com o tempo, o caso com Domitila esfriou
e pouco depois ela se casou com o brigadeiro
Rafael Tobias de Aguiar, com quem teve mais quatro filhos.
Pedro faleceu aos 36 anos em 1834. Domitila sobreviveu a ele em 33 anos. Foi sepultada em 1865, em São Paulo, no Cemitério da Consolação, cujas terras ela doara à cidade. E o affair entre ela e o Imperador foi imortalizado como o mais famoso romance da história do nosso País.
Pedro faleceu aos 36 anos em 1834. Domitila sobreviveu a ele em 33 anos. Foi sepultada em 1865, em São Paulo, no Cemitério da Consolação, cujas terras ela doara à cidade. E o affair entre ela e o Imperador foi imortalizado como o mais famoso romance da história do nosso País.
Titília e o Demonão: cartas inéditas de Dom Pedro a
Marquesa de Santos.
Autor: Paulo Rezzutti
Geração Editorial, 2011
352 páginas
Prefácio Paulo Schmidt
Teste.
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