sexta-feira, 19 de abril de 2013

Uma história dentro da História - Titília e o Demonão (Cartas Inéditas de D. Pedro I à Marquesa de Santos)


Parafraseando conhecida expressão, se Dom Pedro I não tivesse existido, algum autor imaginativo o teria inventado. Uma das personalidades mais marcantes da história do Brasil, ele é o personagem dos sonhos de muito ficcionista. Com uma vida recheada de fatos pitorescos, incluindo um histórico Grito do Ipiranga, alguns atos louváveis e muitas trapalhadas, suas atitudes combinam toques de canalhice escancarada, charme de conquistador barato e sensibilidade de pai afetuoso de incontáveis filhos - legítimos ou não. E como se não bastasse tudo isso, foi o elo mais forte de um dos mais conturbados triângulos amorosos de que se tem notícia em terras tupiniquins.
O exaustivamente comentado romance com Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, ganha novas luzes com o livro “Titília e o Demonão – Cartas Inéditas de D. Pedro I à Marquesa de Santos”, de Paulo Rezzuti, publicado em 2011 pela Geração Editorial. Nele, o autor acrescenta aos já conhecidos relatos do tórrido affair, mais 94 cartas íntimas do Imperador destinadas à sua mais famosa amante. Descobertas pelo pesquisador em um museu dos Estados Unidos, essas missivas apimentam ainda mais as histórias sobre a avassaladora paixão que balançou as estruturas da Corte no Brasil e fez história dentro da História do país.
Transcritas e corrigidas levemente em sua grafia e pontuação, de forma a facilitar a compreensão, as cartas não são datadas, mas foram dispostas de acordo com os fatos cronológicos, graças a uma cuidadosa pesquisa do autor. Por meio delas, descobrimos não apenas o amante, por vezes apaixonado e suplicante, mas também um pai desvelado dos filhos que teve, tanto com a esposa - a Imperatriz Leopoldina, quanto com Domitila. Há nas mensagens, pinceladas sobre acontecimentos da época, citações sobre personagens importantes da cena imperial, bem como a exposição de preocupações do Imperador com os rumos daquela que ele chama de “nossa Pátria”.
Em certas cartas e bilhetes contidos no livro, nada sugere que seu portador seja tão célebre figura, mas sim, um homem comum, preocupado com a saúde da amada e dos filhos: “Desejo, pelo muito que me interesso pela sua saúde, (que) me mande dizer como passou do seu incômodo da cabeça, e juntamente como passou nossa Belinha, que de mecê será inseparável até ter idade de aprender, e mecê querer.” (Carta 9)

“Manda-me dizer como passaste o resto da noite e se não te fez mal o frio do chão nos pés.” (Carta 57)
Em outras, busca acalmar os ânimos da amante ciumenta:  “Se o amor que temos um ao outro é verdadeiro, devemos perdoar suspeitas mal fundadas ou, por outra, ciúmes vagos sem fundamento” (Carta 38)
O Imperador
Em algumas missivas, assinadas como “O Demonão”, “O Imperador” ou mesmo “O anônimo”, Dom Pedro elabora artimanhas para que possam se encontrar, o que se mostra irrelevante, já que o caso, que durou sete anos, nunca foi mantido em segredo, a ponto de o Imperador ter trazido Domitila (e vários membros de sua família) para morar na Corte e tê-la nomeado dama de companhia da Imperatriz: “Manda, filha, fazer a porta, e até ela ficar pronta irei entrando pelo portão de costume, por onde hei de visitar hoje às dez horas querendo tu, o que espero, pois não quererás dar cabo deste teu filho com mais essa provação de me proibir lá ir” (Carta 66).

“Até à noite, que conversaremos, e nos apalparemos por dentro e por fora” (Carta 23).
“Adeus, minha filha, no Teatro nos veremos e depois terá o gosto de te abraçar este teu filho, amigo, amante fiel e constante desvelado, agradecido e verdadeiro O Imperador” (carta 57).
Embora de conteúdo quase sempre romântico, não faltam nas mensagens citações à Pátria que Dom Pedro escolheu como sua: “Sonhei alguns sonhos que me mortificaram, todos relativos a nossa Pátria, à qual desejamos sumas venturas”.
As 94 cartas de Pedro para Domitila, além de outras escritas por esta para o amante expõem também detalhes prosaicos como troca de presentes, frutas e flores. Relatos sobre a saúde de um ou de outro ou briguinhas comuns de um casal incomum.
Ao contrário do que se possa imaginar, “Titila e o Demonão” não serve de material para quem deseja apenas bisbilhotar detalhes picantes sobre um casal de celebridades (tão em voga neste início de século). Mas é enriquecido de informações relevantes, apresentadas pelo autor no texto introdutório e em notas ao pé da página, que elucidam fatos e nomeiam personagens citados nas missivas, para que possamos entender melhor seu conteúdo. De certa forma, humaniza a figura histórica. E redime a mulher Domitila, que, antes de conhecer o Imperador fora casada com um alferes violento, que a esfaqueara por ciúmes (num episódio mal explicado).
Titília na época do romance
Através das notas de Rezutti ficamos sabendo, por exemplo, que a Imperatriz Leopoldina amargava a humilhação de ser traída publicamente. Que o Imperador teve com Domitila cinco filhos, dos quais apenas duas meninas sobreviveram. A primeira, Belinha foi criada na Europa e agraciada com o título de Duquesa de Goiás. A outra menina, Maria Isabel II, nasceu em São Paulo em 1830, quando já estavam separados. Também somos informados de que o Imperador teve com Domitila um filho chamado Pedro, que nasceu poucos dias após o oficial, Pedro II. O menino faleceu antes de completar um ano de idade.
Após a morte da Imperatriz Leopoldina, Dom Pedro solicitou que encontrassem para ele uma esposa na corte europeia. E para conter os comentários sobre sua fama de conquistador, achou por bem afastar Titília da Corte no Brasil. Ordem acatada por esta, muito a contragosto.
Em maio de 1829, o Imperador despediu-se de Titilia:
“Eu te amo; mas mais amo a minha reputação agora também estabelecida na Europa inteira pelo procedimento regular. [...] Tu não hás de querer a minha ruína nem a ruína de teu e meu País e, assim, visto isto além das mais razões me faz novamente protestar-te o meu amor; mas ao mesmo tempo dizer-te que não posso lá ir”.
Domitila retornou a São Paulo, com a quantia de 300 contos de réis em apólices, além da garantia de um conto de réis mensal.
Em carta ela despede-se do ilustre amante:
“Eu parto esta madrugada e seja-me permitido ainda esta vez beijar as mãos de V. Majestade por meio desta, já que os meus infortúnios, e a minha má estrela, me roubaram o prazer de fazer pessoalmente. Pedirei constantemente ao céu que prospere e faça venturoso ao meu Imperador enquanto a Marquesa de Santos, Senhor, pede por último a V. M. que, esquecendo como ela tantos desgostos, se lembre só mesmo, a despeito das intrigas, que ela em qualquer parte que esteja saberá conservar dignamente o lugar a que V. M. a elevou assim como ela só se lembrará do muito que deve a V. M. Que Deus vigie e proteja como todos precisamos.”
Marquesa de Santos”

Domitila aos 68 anos
Dom Pedro I casou-se com a duquesa austríaca Amélia de Beauharnais, duquesa de Leuchtenberg, pertencente aos Habsburgos, uma das dinastias mais importantes da Europa. Com o tempo, o caso com Domitila esfriou e pouco depois ela se casou com o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, com quem teve mais quatro filhos.
Pedro faleceu aos 36 anos em 1834. Domitila sobreviveu a ele em 33 anos. Foi sepultada em 1865, em São Paulo, no Cemitério da Consolação, cujas terras ela doara à cidade.  E o affair entre ela e o Imperador foi imortalizado como o mais famoso romance da história do nosso País.

Paulo Rezutti
Titília e o Demonão: cartas inéditas de Dom Pedro a Marquesa de Santos.
Autor: Paulo Rezzutti
Geração Editorial, 2011
352 páginas
Prefácio Paulo Schmidt


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